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Era uma vez

Era uma vez uma menina. Se olhassem para ela, não veriam mais do que uma menina. Não veriam mais do que uma criança como todas as outras, que brincava, ria e dizia disparates. E esta menina era uma criança como todas as outras. A diferença entre ela e as outras é que na sua cabeça haviam castelos e vitórias, todas destinadas a ela. Talvez isto não pareça diferente de todas as outras meninas por esse mundo fora, mas esta menina em particular não fazia as coisas por metade. Os castelos e vitórias eram reais e bem delineados, ela já tinha decidido de que seriam feitos, como seriam feitos e tudo o que ela faria para o resto dos longos anos que seriam a sua vida. E com o passar dos anos, estas ilusões não desapareceram. Os castelos não ruíram, as vitórias não foram atraiçoadas. A menina viveu a sua vida como decidira fazer, e como as suas já não controladas emoções diziam que ela devia fazer, independentemente de ser o melhor para ela ou não. Com o passar dos anos, a menina acumulou tan...

Confissão

Lutar contra connosco próprios tem de ser das piores batalhas que o ser humano tem de enfrentar ao longo da vida. Ter de acordar todos os dias, levantar-se e cumprir com todas as obrigações, quando apenas se quer deixar deitado na cama para o resto da vida, tem de ser do mais doloroso que há. Levantarmo-nos de manhã para nos dirigirmos para um sítio que nos deixa em agonia, e que deu absolutamente cabo da nossa estabilidade mental tem de ser do pior que existe. No entanto, fazemo-lo. Levantamo-nos, vamos, cumprimos, vivemos mais um dia, apesar de dispensarmos bem aquele dia que vivemos. Meus caros leitores, defrontei-me recentemente de caras com algo que eu nunca pensei que a minha mente radical, afiada e amarga tivesse de se defrontar: doenças do foro psicológico. Sempre achei que já estava demasiado estragada da cabeça para a minha cabeça ficar literalmente e completamente estragada por danos que não serão fáceis, ou talvez possíveis de reparar. E não sei o que o despoletou...

Depois vemos

Amor, não vás. Eu sei que já não sou a rapariga que costumava ser, a de sorriso arrogante, humor contundente e palavras afiadas. Eu sei que estou a deixar os meus sonhos fugirem pelos meus dedos cada vez mais magros e que tenho de lidar com o desejo ardente de fugir. Eu sei que já não sou digna de mim. Sou fraca e dorida, e o meu coração aperta ou larga com demasiada força. Os meus olhos já não conseguem ler mais e as minhas mãos já não são feitas para escrever todas as palavras que eu sempre achei que seriam a minha vida. Eu sei que já não tenho a força por que te apaixonaste e que já não consigo viver só comigo e com a minha personalidade. Também sei que já não sou o desafio cético com que te deparaste, que a minha inteligência se perdeu algures na minha dor e que a minha assertividade foi engolida pelos meus soluços. Eu sei que já não sou eu, meu Amor. Já não reconheço essa rapariga de que todos falam, e apenas posso simular a raiva que me costumava atravessar e que me tornava i...
Estou irremediavelmente doente. Tenho lido este livro sobre um homem que sofre de dores crónicas físicas e temo também as ter. Mas as minhas não são físicas. Estou muito, muito doente... Verga-me o peso de tudo nos ombros. O peso da solidão, da tortura e do medo. Aterroriza-me o facto de que há a hipótese que desta vez talvez nada me salve. Nem o tempo, nem o carinho, nem a entrega. Só vejo uma espiral imensa de dor e tortura. Da qual não tenho como sair. O tempo não passa. Passei a vida a queixar-me de que o tempo passava demasiado depressa e ele decidiu abrandar no momento errado. Decidiu abrandar sadicamente agora, que a vida se espreme da minha mente dorida. E se nada me salvar? E se ninguém conseguir chegar até mim e eu permaneça doente para os restos dos meus dias? Na minha cabeça passeiam imagens de mudanças e resoluções, mas conseguirei cumpri-las? E serão as mudanças necessárias? Este arranhar no meu peito enlouquece-me. Deixa-me sem rumo e tão completamente sozinha.....

Interlúdio

O futuro tem de chegar. O futuro tem de chegar porque o presente está demasiado usado e gasto. Porque eu preciso de ultrapassar este intervalo na minha vida. Preciso de avançar. Preciso de me ocupar com sociabilizar, estudar, festejar e aproveitar. Preciso de ter menos tempo para pensar, de estar menos tempo sozinha.  Vou sucumbir a mim mesma se estiver sozinha. Tal como quase fiz quando dei por mim na escuridão, sozinha e preenchida de uma dor irreparável. As ideias que me passam pela cabeça ou me magoam ou me aterrorizam, e não sei sinceramente quais prefiro. Não posso partir, por muito que queira, por muito que precise. E esta necessidade premente de partir, misturada com a obrigação assertiva de ficar, vai ser o que vai esgotar a minha sanidade mental. Já não me sinto dentro de mim há muito tempo. Diria um ano, talvez mais. No entanto, à medida que o mundo me abandona e que o futuro avança eu sinto-me cada vez mais descontrolada e longe do volante das minhas emoções...

One and only

Ninguém mentalmente sã ama desta maneira. Ninguém mentalmente sã teme uma perda com tanto fervor, imaginando-a pior que o objeto mais contundente a enterrar-se na pele tenra. Ninguém mentalmente sã precisa de se anestesiar do próprio amor para não enlouquecer. Ninguém enlouquece com a espera, com o medo ou com a própria loucura. A não ser que já não tivesse muita sanidade mental, ou a não ser que tudo aquilo que eu suspeito seja verdade. Não posso estar a enlouquecer com um amor banal. Ninguém tão cético como eu enlouqueceria com um amor vulgar como aqueles que passeiam à minha volta. Alguém que, como eu, não só não acreditava no amor como desprezava os que acreditavam, não cai desta maneira num amor típico. Um fosso tão profundo, com uma queda tão intensa e dolorosa, não pode ser normal. Dou pela minha mente antes racional a acreditar no que eu consideraria contos de fada. Em predestinação, romances eternos e numa ligação tão forte que só pode ter algo de divino. É verdade que n...

Bloqueios

Nestes dias em que a avalanche de mudanças me levou montanha abaixo, dou por mim tão absolutamente entupida e bloqueada, que não consigo juntar duas palavras. Vivo numa dormência temerosa, e tudo o que escrevo, tudo o que leio, tudo o que sou é irritável e irritado, inflamado por um mau génio endémico e um cansaço existencial. Esperei que o meu futuro chegasse e ele chegou, mas lavou-me com ele. Todo o entusiasmo de livros gigantes, institucionalizações, palavras caras, discursos articulados e maturidade fingida fez-me esquecer quem sou e fez-me entender quão manufaturado, pequeno e limitado é o meu pensamento. Daí a falta de escrita, o constante medo e o enjoo emocional que se têm incrustado na minha mente, para além de uma arrogãncia apagada e de uma insegurança estúpida. Dei por mim no mundo pequeno dos adultos. E, sendo alguém que esperou por aqui chegar a vida toda, sinto-me completamente perdida. Talvez, porque na verdade, não sou capaz de me ver como uma adulta, como alguém ...

Aproximação

Sempre gostei de imaginar como a minha vida seria se eu tivesse feito escolhas diferentes. Se eu tivesse dito determinadas coisas, se tivesse sido diferente. Foi difícil não o fazer, quando dei por mim de frente para aquele velho e gigantesco edifício que foi a minha primeira escolha durante muito tempo. Duvidei de mim mesma por uns segundos, duvidei da minha capacidade de fazer decisões. Por uns momentos, aterrorizou-me a possibilidade de ter escolhido o sítio, a vida errada para mim. Mudei de ideias quando era calma, quando tudo parecia esperançoso e harmonioso. Agora que tudo parece perigoso e cheio de mágoa, temi ter escolhido mal. Ter escolhido aquele sítio agora significaria fugir. Começar completamente de novo, fugir da pessoa que sou e das pessoas que me rodeiam. E por muito que eu por vezes tenha pensado nisso como sendo o melhor, a verdade é que não teria sido capaz. Fiz a escolha certa para a minha educação, para a minha família e para a minha vida. Só o futuro dirá se f...

Maioridade

Continuo a esperar que a sensação se abata sobre mim. Temi o dia em que isto aconteceria durante muito tempo e ansiei-o durante ainda mais. Estou à espera de que o meu cérebro compreenda o que tudo isto quer dizer. Mas ele demora, ou talvez nunca chegue a compreender de todo. Estou à espera de que me abata uma maturidade que já tinha, e que me sinta velha como já sou há anos a fio. Houve um milhão de mudanças e, no entanto, tudo parece absolutamente igual. Apesar de eu nunca imaginar que estaria como estou. Apodera-se de mim um terror que substitui a euforia de perspetivas de mudança e maturidade. Há demasiadas incertezas, demasiadas despedidas, demasiadas novidades. Não consigo sequer imaginar o que me reserva, e não poder controlar o futuro será o que me levará à loucura. Tudo o que posso fazer é esperar e rezar para que o inesperado não me magoe. Todos falam dos melhores anos das nossas vidas, mas não consigo entender como uma época de maior responsabilidade pode ser melhor. Talv...

Vulnerabilidades

Todos temos um escudo. Uma fortaleza, aliás. E, ao longo dos anos, ao longo da vida, ao longo de nós próprios, essa fortaleza, essas paredes que nos mantêm de pé, começam a ruir. A velocidade com que elas ruem depende inteiramente de nós. Das situações em que nos metemos e da capacidade que temos para as ultrapassar. Há pessoas em que esta fortaleza já foi queimada, assaltada e até bombardeada e, no entanto, mantém-se nas suas ruínas. Há pessoas em que esta fortaleza nunca teve incidente algum, e continua perfeitamente intacta. Quanto a mim, creio que a minha me foi roubada. Num minuto estava lá, em toda a sua imponência, alta como um arranha-céus, espessa e forte, pronta para me defender, e no outro não estava e eu fiquei completamente exposta. Razões para tal ter acontecido? Excesso de tempo para pensar. Nunca ninguém devia ficar a sós com os seus pensamentos. É uma situação mais perigosa do que elucidante. E, além disso, ninguém devia mergulhar mais fundo do que consegue nadar. T...

Runway

Preciso de partir. Não posso ficar nem mais um segundo. Sou capaz de enlouquecer. Já imaginei a minha fuga milhões vezes ao longo dos anos. E creio que chegou o momento. Preciso de sair, viver e ser livre. Não consigo ficar aqui, onde não posso ser. Não pertenço aqui. Percebo agora que nunca pertenci. Não pertenço a este lugar, a estas pessoas, a esta vida. Nunca pertenci a nada que não a mim mesma. Provavelmente nem isso. Estou cansada de fingir que sou igual a toda a gente. Estou cansada de viver no meio da monotonia e pensar que terei de me encaixar nela. Por isso, preciso de sair daqui e de encontrar um lar. Nunca tive um lar, nunca me senti em casa em lado nenhum. O único lar que poderei ter é onde não saibam quem sou. Onde, aliás, eu não seja ninguém. Um sítio onde não importe o nosso nome, o nosso passado, a nossa idade, o nosso género, a nossa condição social. Um sítio onde eu seja completamente livre, de tudo e de toda a gente. Onde eu seja apenas um ser humano a lidar co...

Stay

Pergunto-me todos os dias se sou sequer remotamente merecedora de ti. Pergunto-me todos os dias se não será um sinal que algo tão bom e tão intenso me tenha acontecido. Se a minha alegria não se vai tornar em cinzas. Dou todos os passos com insegurança, com um medo paralisante de que os teus passos vão em direção contrária aos meus. Não seria capaz de lidar com isso, não outra vez, mas principalmente não desta vez. Sei que não há nada que dure para sempre, e mantenho em mim todas as noções que tinha antes. Mas quero desesperadamente estar errada. Quero que por uma vez, desta vez, o destino ignore a Razão, tal como eu ando a fazer e me dê aquilo que toda a gente prega e pouca gente tem. De cada vez que o teu tom de voz azeda, eu imagino tragédias, e de cada vez que os teus olhos se fecham eu pergunto-me se será para mim que eles se voltarão a abrir. De cada vez que te abraço rezo para que não queiras sair dos meus braços. Passo os meus dias a querer esperar por ti. Passaria a minha...

Dependência

Este véu negro dança sobre o meu discernimento. O meu senso comum parece hipnotizado, embalado pelos movimentos desse mesmo véu, enfeitiçado pelas imagens que este me mostra. Uma parte de mim ainda me procura dentro deste corpo, dentro desta mente. Ainda procura a minha convicção, a minha teimosia, a minha indignação e a minha tendência para explodir com força e rapidez. Mas estas minhas características escondem-se algures atrás do véu. Não perdi a capacidade de me enraivecer, de discutir com um tom afiado e palavras aguçadas, de me concentrar ou de ser a pessoa que sou. Só que agora faço, penso e digo tudo de forma mais leve, mais suave, mais doce e mais gasosa. Os meus sentidos estão enleados numa ilusão, numa bela e demasiado indulgente ilusão, diga-se de passagem. Os meus olhos só veem a mesma sequência de imagens, mesmo quando estão cegos, os meus ouvidos só ouvem um som, o meu nariz só sente um cheiro, as minhas mãos só querem um toque, e o meu paladar só quer um sabor. ...

Adeus, Juventude

Este quarto está mergulhado na mais absoluta escuridão e no calor não incomodativo de primavera. Jazo imóvel sobre a minha cama e deixo que os soluços violentos tomem conta de mim. Na minha mão prostra-se o símbolo da minha segunda casa. E o mero sentir da textura desse mesmo símbolo envia-me para as minhas ondas de dor fechadas, com as quais nunca soube lidar, ao ponto de as luzes do meu quarto terem de estar desligadas, como se isso me ajudasse a sobreviver-lhes ou a fingir que elas não existem. Quando esse símbolo me foi dado, fui surpreendida pela primeira onda de dor astronómica, que me abateu violentamente, em forma das perguntas "E agora?", "Para onde vou?", "O que vou fazer?", e em forma das afirmações "Acabou.", "Nunca mais." e "A minha vida mudou para sempre". Com aquele edifício vai a pessoa que eu fui há 3 anos, as memórias de 3 anos, todas as sensações de 3 anos e, mais importante do que tudo, 3 anos da minha v...

Insanamente

Não pode ser. Não. Não consigo. Quem é esta pessoa? Não sou eu. O corpo é meu, mas não me reconheço, não reconheço os meus gestos, as minhas palavras ou os meus desejos. E há quem chame a isto uma sensação agradável? Estão loucos. Só podem estar doidos, mais doidos ainda do que eu. Como é que é possível? Eu não queria mudar, nem que seja momentaneamente. Não queria, nem quero, depender, necessitar ou desejar. Que raio é que se passa? E porquê que se propaga esta sensação de perda? E porquê que já não mando nas minhas emoções? Sinto-me a cair num poço profundo, sem nada a que me agarrar. Parece que nem me posso agarrar a mim própria, pois não estou a criar qualquer tipo de defesas, não estou a resistir ou a protestar. Parece que ando tão surpreendida que ando simplesmente a escorregar para algo de onde sei que não vou saber sair. Dizem-me para não ser pessimista. Mas esquecem-se que não pensar o pior das pessoas é o que leva a quedas sérias. E eu já estou farta de cair. Pelos visto...

Dúvidas Prudentes

E deixamo-nos escorregar para o que não compreendemos. Rumo ao absoluto desconhecido. Talvez faça parte da condição humana, essa necessidade de nos colocarmos em situações que se sobrepõem a nós, de entrarmos no que não conhecemos. Pode-se ser a pessoa mais inteligente do mundo, mas a racionalidade esvai-se assim que nos aparece a oportunidade de uma aventura. É assim que eu escolho compreender este meu desvio do que me é habitual. A possibilidade de uma aventura, uma que me entusiasma, uma que me deixa curiosa, e uma que me dá uma sensação de ter o peito leve como o vento. Como se tudo isto não passasse de um mero estudo à vida do resto do mundo, para que eu consiga finalmente entender. Prefiro acreditar nisto porque sei que não tenho mais nada para dar. Apesar de ultimamente ter encontrado recursos improváveis. Não sei de onde eles vêm, mas sei que eventualmente pararão de vir. Apesar desta sensação que poderia ser descrita como predestinação, eu sei que não vou voltar a sal...

A Grande Muralha da Insensibilidade

Sinto-me sinceramente surpreendida por o típico pânico não se ter instalado nas minhas veias. O pânico de quem não quer mudanças, de quem não quer viver com alguém. Se isso significará alguma coisa? Espero desesperadamente que não. E, alguma parte de mim, talvez a parte de mim que ainda acredita em contos de fada, se é que essa parte de mim ainda existe, anseia que sim. Não mudei de ideias. Nunca mudo de ideias, elas apenas se suavizam ou radicalizam. Continuo a achar que brincar ás casinhas seria um desperdício de um potencial para grandeza. Do meu potencial para grandeza. Continuo a achar os amores épicos dos meus colegas etários extremamente exagerados e advindos de cérebros cheios de telenovelas e de falta de autorrespeito. Continuo a sentir o muro enorme que é a minha incapacitante falta de sentimentos, ou a minha incapacitante falta de vontade de sentir sentimentos, ou ainda a minha falta de vontade de me partilhar seja de que maneira for e seja com quem for. No entanto, adm...

Morosidade

Nesta tarde em que tudo se parece precipitar, eu deslizo com calma numa sensação de morosidade irrelevante. Tento eliminar todos os itens na minha lista, mas ainda não pensei no que me vai acontecer quando essa lista chegar ao fim. Quando eu der por mim sem mais que fazer, que não esperar por um futuro incerto. E isso parece-me tão gigante, tão enormemente avassalador, que tudo o resto é minúsculo ao ponto de não me incomodar de todo. E é por isso, porque nada me incomoda, que quero escrever. Quero admitir e quero escrever. O tempo é o meu maior inimigo e também o meu melhor amigo. O tempo curou-me de uma doença que eu tinha incutido a mim própria, o tempo permitiu-me sarar de todas as humilhações e dores. Mas o tempo também me levou. Levou de mim memórias que eu queria guardar, sentimentos de que eu me queria lembrar para servirem de recordação e/ou de aviso. Foi por causa do avançar do tempo que eu me apercebi que não me passou pela cabeça durante dias. Não me passou nem o v...

Bendita Crueldade

Meu querido sem-rótulo, sem-rosto e sem-interesse: É um prazer falar contigo de novo. Tive de esperar para escrever este texto, porque não me sentia furiosa o suficiente para o escrever. Mas agora sinto. Sinto-me corrosivamente furiosa e pronta para expor as verdades. És um pequeno homem. Aliás, és um pequeno rapaz. Tão pequeno, tão mesquinho, tão patético. Nunca foste mais do que um pequeno homem e nunca serás mais do que pequeno. Nunca conseguirás nada de mais na vida, porque até as tuas ambições se baseiam apenas na ganância e mesmo a tua ganância é pequena. Tudo o que aspiras é uma vida pequena de ignorante com alguém que tenha ainda menos aspirações do que tu e que seja ainda mais ignorante, para se submeter a alguém como tu. Mas vás, ao menos não és uma desilusão. Para seres uma desilusão eu tinha de estar iludida, eu tinha de achar que tu eras capaz de mudar, ou que a tua personalidade era melhor do que aquilo que é. Mas eu nunca estive iludida, porque tu não consegues escond...

Laços Proibidos - II

Tu viste-me. E, pela primeira vez em muito tempo, eu senti-me vista. Após uma vida a atravessar olhares, alguns dos quais supostamente eram afáveis, amigáveis e até amorosos, só a tua visão me despertou. Eu vi-te. E não haveria mais nada a dizer, mesmo que eu te pudesse dizer algo. Mas eras tu. E eu vi-te, como nunca me lembro de alguma vez querer ver alguém. Ou, antes, como não vejo ninguém há muito tempo. Tudo é lavado de mim com naturalidade, como se nada se tivesse alterado. Menos tu. Mais uma vez, tudo o que posso fazer é ver-te. Ver-te, olhar para ti, reparar em ti. Não posso, nem nunca poderei fazer mais. Tenho esta vontade intensa, esta sensação de dejá vu . E, de alguma forma, sei que já te conheci, num qualquer Universo, numa qualquer realidade. É a única maneira de explicar esta ligação astronómica, esta atração intrínseca. Esqueço-me de ti, várias vezes, vários dias. Mas quando me lembro de ti, é de forma estrondosa. Como se todas as luas de Júpiter se alinhassem. Se...

Finais cansados

Todas as minhas memórias estão distorcidas de cansaço. Todos os meus dias estão repletos de um cansaço transversal e de uma saturação impaciente. Um cansaço melancólico, um cansaço ignorante, um cansaço imaturo. Não tenho mais energia, nem tenho mais nada para dar. Sinto-me, de novo, como milhões de hectares de uma floresta queimados até não sobrar mais. Queimado todas as vezes em que sou uma pessoa que não conheço, todas as vezes em que não disse o que queria ou o que devia, todas as vezes em que tenho de me limitar e controlar. Queima-me a perda, mas nem sei de quem nem do quê, talvez da minha paciência, de mim, ou de qualquer outra coisa. Estou cansada de mim. Cansada da sensação vertiginosa de prisão que tenho mas que mais ninguém tem, da necessidade premente de me destacar, da necessidade urgente de falar, cansada da ânsia por algo que não conseguiria aguentar. Estou demasiado cansada de ter personalidade. Desejo ser comum, gostar do que os outros gostam, viver na banal...

Opostos não se atraem

Continuo a imaginá-lo. Perdido na sua ingenuidade, na sua inocência. Sem saber na realidade o que faz. Perdido neste mundo. Ele nunca foi pessoa de planos sólidos, nunca foi pessoa de Planos B, de planos de segurança. Ele sempre viveu na espontaneidade das suas emoções. E é essa a maior fraqueza dele: não haver um único osso calculista e/ou racional no seu corpo. Ele é só um rapaz brincalhão, nunca passou disso. Torna-se cada vez mais claro à medida que eu me aproximo da maturidade. Ele nunca passou do pouco que ele é. Eu, por outro lado, passei de muito. Passei de muitas marcas, muitos limites. Passei-me a mim mesma. Sou uma pessoa tão diferente que sou quase irreconhecível, não fosse o meu rosto o mesmo. Sempre fui emocionalmente limitada, mas nunca tanto como agora. Sempre tive problemas com compromissos, mas nunca tanto como agora. Sempre me saturei depressa, mas nunca... Eu sempre fui um porto seguro. Sempre tive planos B, sempre fui confiável, sólida e responsável. Feliz ou...

Laços proibidos

Querido amigo, Talvez não te devesse escrever. Afinal, que te posso eu dizer? Não é que alguém fisicamente me impeça, mas impede-me muito. Impede-me a minha vida, impede-me a tua, impede-me as vidas alheias. Não te posso dizer muito, mas queria apenas que soubesses o pouco que eu te posso dar. Desde aquele dia que não me esqueço de nada. Sempre fui amaldiçoada com uma memória perfeita, que não falha mesmo quando está afogada. Portanto, só queria que soubesses que não me esqueci. Por muito irracional que eu considere que isso seja, por muito que não faça sentido. Não me esqueci. Já me tentei convencer que o que passou, passou, mas não consigo acreditar mesmo nisso. O que é bastante irregular, porque quando me convenço de algo, tenho tendência a deixar a dúvida para trás. Mas não desta vez. Não é que estas palavras vão fazer qualquer diferença. Apenas as escrevo na vaga esperança que tu as leias ou na vaga esperança de que o escrevê-las me ajude a ultrapassar(-te). Tenho a certeza...

Eu e Tu

Eu e Tu. Nunca Tu e Eu. Nunca Nós. Eu e Tu. Tu és o meu refúgio. Após um longo dia posso sempre voltar e mergulhar nos teus braços cansados, que estão sempre abertos mesmo quando preferiam estar fechados. E, aí, posso finalmente dormir um sono pesado, confortável e confiante, de alguém que finalmente encontrou o seu lugar. Eu e Tu vivemos a vida com rapidez mas vivemo-nos com lentidão e calma, como se entrássemos no mar e quiséssemos estar sempre à deriva. Eu e Tu vemo-nos de olhos fechados. Só de olhos fechados sabemos quem o outro é, como é e porque o é. E quando abrimos os olhos, somos só nós, sem máscaras e sem artifícios, só Eu e Tu. Os meus olhos pousam nos doces lagos verdes que são os teus olhos e fitam-te com a mesma expressão de seriedade e perdição. E neste mundo não há mais nada nem mais ninguém. Todas as guerras são irrelevantes, todos os sons deixam de existir. Só existo Eu e só existes Tu. Tudo é ou calma absoluta ou um furacão infinito. Ou estou absolutamente plác...