Finais cansados
Todas as minhas memórias estão distorcidas de cansaço.
Todos os meus dias estão repletos de um cansaço transversal e de uma saturação impaciente. Um cansaço melancólico, um cansaço ignorante, um cansaço imaturo.
Não tenho mais energia, nem tenho mais nada para dar. Sinto-me, de novo, como milhões de hectares de uma floresta queimados até não sobrar mais.
Queimado todas as vezes em que sou uma pessoa que não conheço, todas as vezes em que não disse o que queria ou o que devia, todas as vezes em que tenho de me limitar e controlar.
Queima-me a perda, mas nem sei de quem nem do quê, talvez da minha paciência, de mim, ou de qualquer outra coisa.
Estou cansada de mim. Cansada da sensação vertiginosa de prisão que tenho mas que mais ninguém tem, da necessidade premente de me destacar, da necessidade urgente de falar, cansada da ânsia por algo que não conseguiria aguentar.
Estou demasiado cansada de ter personalidade. Desejo ser comum, gostar do que os outros gostam, viver na banalidade com calma, como os outros vivem. Desejo ser absolutamente invisível, ao ponto de nem eu me ver. Ao ponto de o que existe no espelho não me importar, nem me incomodar.
Estou tão exausta que até vendo as minhas convicções. Vendo tudo aquilo que me faz tremer de indignação, frustração e paixão e em que acredito tão veementemente que o meu sangue ferve. Desisto de tudo isso porque é o que me cansa mais. Sempre fervi em pouca água, sempre fiz tempestades em copos de água. E é esse gatilho de cólera, esse despoletar de fúria, que me deixou tão velha, tão intolerante e tão cansada.
Só quero saber rir-me do que os outros se riem. Só quero ter um sentido de humor ridículo, banal, sorridente e ignorante. Só quero importar-me com o que eles se importam e ser o mais vulgar possível.
Estou tão farta, que quase prometo dizer tudo aquilo que a minha boca não seria capaz de esboçar e que a minha voz nunca delineou. Prometo dizê-lo, mesmo que seja mentira, porque é mentira, porque será sempre mentira. Estou tão exausta, que prometo ser aquilo que sei que nunca conseguirei ser, prometo passar a querer saber e a submeter-me aos rituais típicos e que eu, geralmente, acharia tão patéticos.
Estou exausta. Só quero dormir sem dormir, só quero fechar os olhos e ter um sono pesado e sem sonhos. Estou farta dos meus sonhos.
Só quero que voltes. Mesmo que não queira que voltes, quero que voltes. Para voltar a ter estabilidade, para voltar a ter a possibilidade de te abraçar e de me esquecer. E mesmo que o meu medo de compromissos sufocante me impeça, eu prometo que o ultrapasso.
Volta só para que eu me sinta segura de novo. Só para que este cansaço desapareça, só para que o cinzento se atenue. Até porque eu sei que não o consegues fazer desaparecer.
Estou demasiado cansada... Forcei tudo o que não devia ser forçado. Desde há muito tempo que ando a forçar tudo o que é natural, ou tudo o que devia ser natural.
Sinto que já não sei. Não sei como ser sem ser forçado. Já não sei há muito.
Estou farta de procurar e de forçar. O que vier, que venha. O que não vier, que não venha. Não acredito no destino, portanto o que quer que aconteça, que seja aleatório, não planeado e não forçado.
Que a aleatoriedade da vida me leve para longe. Para muito longe, onde eu possa curar o meu cansaço.
E, onde estás, sabe que já não procuro, já não forço e já não espero. Sabe que estou tão cansada que já não tenho forças, energia ou paciência para mais. Sabe que, se decidires voltar, já não tenho vontade para te contrariar. Serei o que quiseres, como quiseres. Volta.
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