Laços Proibidos - II

Tu viste-me. E, pela primeira vez em muito tempo, eu senti-me vista.
Após uma vida a atravessar olhares, alguns dos quais supostamente eram afáveis, amigáveis e até amorosos, só a tua visão me despertou.
Eu vi-te. E não haveria mais nada a dizer, mesmo que eu te pudesse dizer algo. Mas eras tu. E eu vi-te, como nunca me lembro de alguma vez querer ver alguém. Ou, antes, como não vejo ninguém há muito tempo.
Tudo é lavado de mim com naturalidade, como se nada se tivesse alterado. Menos tu.
Mais uma vez, tudo o que posso fazer é ver-te. Ver-te, olhar para ti, reparar em ti. Não posso, nem nunca poderei fazer mais.
Tenho esta vontade intensa, esta sensação de dejá vu. E, de alguma forma, sei que já te conheci, num qualquer Universo, numa qualquer realidade. É a única maneira de explicar esta ligação astronómica, esta atração intrínseca.
Esqueço-me de ti, várias vezes, vários dias. Mas quando me lembro de ti, é de forma estrondosa. Como se todas as luas de Júpiter se alinhassem. Se é que isso faz sentido.
Se é mútuo, é irrelevante. As histórias de amor não têm piada quando são mútuas. Ninguém acreditaria no amor se toda a gente se amasse mutuamente. O mito do amor só existe por causa dos desesperados, dos infelizes, dos não correspondidos. Se não fossem eles, todos os outros não procurariam o amor.
Por isso, subo as intermináveis escadas ao teu encontro. Mas não te procuro. Simplesmente te encontro, menos vezes do que gostaria. E aí se propaga a sensação explosiva de cumplicidade. E, porque não passa disso, de uma carinhosa cumplicidade, não há como me magoar. Daí que seja irrelevante se é mútuo. Espero que o seja, espero que tenhas a mesma vontade de me encontrar sem me procurar, a mesma vontade de me ver. Mas se não tiveres, não há problema. Vivo bem apenas vendo-te, apenas me lembrando de ti quando as nossas realidades se esbarram num acidente trágico de destino inexistente.
Se realmente houvesse destino, não será destino ter-te encontrado? Ou, antes, não será destino que eu não te possa tocar? É, de facto, um castigo cruel não te poder tocar. Não que eu seja digna de o fazer, pelo que tudo o que posso fazer é pedir para te ver mais, talvez durante mais tempo.
Quis despedir-me de ti, porque é o sensato a fazer. Mas é-me impossível despedir-me de alguém com que, na minha cabeça, eu criei esta ligação que não existe. Tudo antes de ti parece-me obsoleto. E tudo desde ti é luz. Mesmo que uma luz proibida, uma luz que não me diz respeito e uma luz que não me pertencerá nunca. Não me importa, vivo bem com essa pequena luz, que me atrai para onde quer que tu estejas, e que me leva a encontrar-te em acidentes muito oportunos. Talvez seja o destino inexistente.
Tenho medo de me esquecer da tua voz, que já se desvanece da minha mente. Tenho medo de que tudo se apague, de que não sobre mais nada. De que a tua mão se esqueça da minha. Desde ti que quase que acredito no que me dizem vezes e vezes sem conta, e no que eu me recuso a acreditar. Quase que acredito em paz, obrigações, reciprocidade e a sensação de pertença. Tudo num conjunto de vida a dois. Acreditaria, se a parte inteligente de mim não protestasse.
Creio que, se há destino, ele pôs-te no meu caminho para me ensinar uma lição. Uma lição de possibilidade, de improbabilidade e de uma espécie de adoração pura que se pode nutrir por outra pessoa. Uma adoração pura, casta e longínqua, sem toques, sem dores. Apenas paz e encontros oportunos. Talvez tenha sido para me ensinar que não sou invencível, ou que nem toda a gente que se quer pode ficar junta.
Não te procurarei, não te preocupes. Vou limitar-me a ter-te como a minha inspiração. Vou limitar-me a ver-te e a tentar decorar todas as linhas do teu rosto nas meras frações de segundo em que te vejo. Não quero que me vejas. Não repares em mim, deixa-me ser invisível. Deixa-me ser apenas mais uma parede verde que te fita.
E, se precisares de conforto, conforto que eu nunca te poderia dar, lembra-te simplesmente do meu olhar fixo de reprovação, ou da minha voz embaladora. Ou não te lembres de todo. Esquece-te, aliás. Esquece-te de tudo. Esquece-te do meu rosto. E não me vejas. Deixa-me, então, solitariamente, ver-te.
E assim nunca haverá mais entre nós do que uma mera visão e uma sensação poderosa e não mútua de cumplicidade pura.
Que o inexistente destino me deixe encontrar-te sem te procurar.

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