A ironia da indiferença
Chove intensamente. Através da janela consigo ver a velocidade transformar a chuva em cinzas. A velocidade transformadora, a velocidade incessante e louca.
Ouvia os meus pensamentos com mais clareza agora que fitava a estrada sem fim e curvilínea, que dava a pura sensação de vertigens. A música nos meus ouvidos era indiferente, bem como os gritos alheios. Apenas importava o quão sã e lúcida eu estava.
Na minha sanidade, eu era feliz. De uma felicidade leve e cheia, simples e fácil. Não tinha muito tempo para pensar nessas questões, mas o pouco tempo que tinha usava-o bem.
Não faltava nada na minha vida. Tinha uma família presente e amorosa, amigos que significavam a diversão em pessoa, boas notas, amor próprio, atenção e hobbys. Tinha uma vida cheia. Uma vida por vezes monótona e rotineira, mas impossivelmente feliz. Não podia pedir mais. Tinha tudo o que precisava, até quase tudo o que queria.
No entanto, a minha lucidez não me permitiria manter o sorriso pensativo que se espalhava no meu rosto por muito tempo. E como sempre, a minha doença, a que me impedia de me manter muito tempo no presente, obrigou-me a voltar atrás.
Foi com quase ternura que me lembrei daquele dia. Uma ternura causada pelo distanciamento, pela cura. Aquele dia, que fará um ano dentro em pouco, aquele dia que, sem eu saber, foi a única salvação da minha alma, da minha personalidade e de tudo o que me pertence. Se não fosse por aquele dia, que eu amaldiçoei por tanto e tanto tempo, eu não seria, neste momento, cheia, equilibrada, esquecida. Se não fosse por aquele dia, quem sabe como seria a minha vida, quem sabe como eu estaria se eu estaria em algum lado.
Portanto, aquele breve momento que me levou a meses de angústia, culminou na minha felicidade. Quem diria?
E a morte da personagem tão envolvida nesse dia acabou por resultar na minha paz, no meu perdão, na minha falta de ódio, no meu esquecimento. E que bendito esquecimento! Nunca pensei amar tão intensamente os limites de memória da minha mente. Nunca pensei que fosse mesmo esquecer, obliterar, aniquilar aquele que foi um ano de grandes mudanças. Mas assim foi. Concentrei-me em mim, o que é possível que tenha sido a melhor decisão que já tomei.
Perdoa-me, querido eu de há exatamente um ano atrás, mas tudo aquilo que pensas precisar não passam de mentiras sujas. Tudo aquilo que pensas sentir não passam de meras fantasias que nunca corresponderão à verdade.
Perdoa-me, querida personagem esquecida, perdoa-me a indelicadeza e a falta daquilo a que muitos chamarão maturidade, mas obrigada por teres morrido. A tua morte significou a minha liberdade. Fico-te eternamente agradecida por te teres esquecido a ti mesma, por te teres apagado. Por te teres tornado um invólucro vazio, um fantasma. Felizmente, esse fantasma já não me assombra. Devo-te toda a minha felicidade presente, devo-a à tua morte. Agora, por favor, mantém-te morta e esquecida, para todo o sempre.
E, por fim, meu espectro, minha assombração, minha velha realidade, completamente morta e desgastada, afastada por completo da minha vida, minha velha alma, minha velha destruição, minha antiga fantasia cuja morte me salvou e dignificou: parabéns.
Ouvia os meus pensamentos com mais clareza agora que fitava a estrada sem fim e curvilínea, que dava a pura sensação de vertigens. A música nos meus ouvidos era indiferente, bem como os gritos alheios. Apenas importava o quão sã e lúcida eu estava.
Na minha sanidade, eu era feliz. De uma felicidade leve e cheia, simples e fácil. Não tinha muito tempo para pensar nessas questões, mas o pouco tempo que tinha usava-o bem.
Não faltava nada na minha vida. Tinha uma família presente e amorosa, amigos que significavam a diversão em pessoa, boas notas, amor próprio, atenção e hobbys. Tinha uma vida cheia. Uma vida por vezes monótona e rotineira, mas impossivelmente feliz. Não podia pedir mais. Tinha tudo o que precisava, até quase tudo o que queria.
No entanto, a minha lucidez não me permitiria manter o sorriso pensativo que se espalhava no meu rosto por muito tempo. E como sempre, a minha doença, a que me impedia de me manter muito tempo no presente, obrigou-me a voltar atrás.
Foi com quase ternura que me lembrei daquele dia. Uma ternura causada pelo distanciamento, pela cura. Aquele dia, que fará um ano dentro em pouco, aquele dia que, sem eu saber, foi a única salvação da minha alma, da minha personalidade e de tudo o que me pertence. Se não fosse por aquele dia, que eu amaldiçoei por tanto e tanto tempo, eu não seria, neste momento, cheia, equilibrada, esquecida. Se não fosse por aquele dia, quem sabe como seria a minha vida, quem sabe como eu estaria se eu estaria em algum lado.
Portanto, aquele breve momento que me levou a meses de angústia, culminou na minha felicidade. Quem diria?
E a morte da personagem tão envolvida nesse dia acabou por resultar na minha paz, no meu perdão, na minha falta de ódio, no meu esquecimento. E que bendito esquecimento! Nunca pensei amar tão intensamente os limites de memória da minha mente. Nunca pensei que fosse mesmo esquecer, obliterar, aniquilar aquele que foi um ano de grandes mudanças. Mas assim foi. Concentrei-me em mim, o que é possível que tenha sido a melhor decisão que já tomei.
Perdoa-me, querido eu de há exatamente um ano atrás, mas tudo aquilo que pensas precisar não passam de mentiras sujas. Tudo aquilo que pensas sentir não passam de meras fantasias que nunca corresponderão à verdade.
Perdoa-me, querida personagem esquecida, perdoa-me a indelicadeza e a falta daquilo a que muitos chamarão maturidade, mas obrigada por teres morrido. A tua morte significou a minha liberdade. Fico-te eternamente agradecida por te teres esquecido a ti mesma, por te teres apagado. Por te teres tornado um invólucro vazio, um fantasma. Felizmente, esse fantasma já não me assombra. Devo-te toda a minha felicidade presente, devo-a à tua morte. Agora, por favor, mantém-te morta e esquecida, para todo o sempre.
E, por fim, meu espectro, minha assombração, minha velha realidade, completamente morta e desgastada, afastada por completo da minha vida, minha velha alma, minha velha destruição, minha antiga fantasia cuja morte me salvou e dignificou: parabéns.
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