Dúvidas Prudentes
E deixamo-nos escorregar para o que não compreendemos. Rumo ao absoluto desconhecido.
Talvez faça parte da condição humana, essa necessidade de nos colocarmos em situações que se sobrepõem a nós, de entrarmos no que não conhecemos.
Pode-se ser a pessoa mais inteligente do mundo, mas a racionalidade esvai-se assim que nos aparece a oportunidade de uma aventura.
É assim que eu escolho compreender este meu desvio do que me é habitual. A possibilidade de uma aventura, uma que me entusiasma, uma que me deixa curiosa, e uma que me dá uma sensação de ter o peito leve como o vento. Como se tudo isto não passasse de um mero estudo à vida do resto do mundo, para que eu consiga finalmente entender.
Prefiro acreditar nisto porque sei que não tenho mais nada para dar. Apesar de ultimamente ter encontrado recursos improváveis. Não sei de onde eles vêm, mas sei que eventualmente pararão de vir.
Apesar desta sensação que poderia ser descrita como predestinação, eu sei que não vou voltar a saltar, a correr e a sentir-me tão abalada que parece que não consigo respirar. Esses dias acabaram para mim. E, no entanto, isto é o mais próximo que eu já estive de tudo isso desde há muito tempo. A diferença é que antes eu sentia-me fraca, fora de mim, e absolutamente dependente da aprovação da outra pessoa. Agora, a sensação pode ser parecida, mas apenas me faz sentir mais forte, bem dentro de mim e absolutamente independente da aprovação de seja quem for.
Se é que o amor existe, e vocês sabem que eu desconfio que não, não sei se alguma vez o senti. No entanto, sei que estive vezes sem conta apaixonada. Talvez tantas vezes que o meu corpo se tornou imune a paixão. Mas, se me tornei insensível a paixão, o que é esta sensação de euforia calma e de um escorregar maravilhado?
Tenho um milhão de perguntas a que não sei responder, e outras tantas em que não sei se quero saber a resposta. Tento racionalizar tudo, como sempre fiz, mas a prudência parece estar a fugir-me por entre os dedos. Parece sinceramente que tudo o que dizem, tudo o que devo fazer e tudo o que é correto é agora irrelevante.
Disseram-me já várias vezes ao longo dos últimos anos que eu apenas era racional porque tinha medo, porque não me queria magoar. E isso talvez tenha começado por ser verdade, mas agora tenho a certeza que não o é. O meu corpo e a minha mente chegaram a um ponto de exaustão que não me permite, ou que não me permitia, sentir mais do que tédio e fúria. Daí que não tenha feito o luto da relação mais longa da minha vida, porque não tinha o que dar, ou seja, também não tinha como me magoar. Ou talvez porque gastei tanto tempo a fazer o luto de outra relação da minha vida, que esta em comparação foi irrelevante. Assim sendo, não me posso magoar. Portanto, sou só racional porque sou racional. E, portanto, seria de esperar que a prudência, o medo de compromissos e a racionalização se metessem no meu caminho, mas elas demoram a fazê-lo. O meu cérebro demora a funcionar, talvez porque está mergulhado em imagens que deveriam ser assustadoras, mas são doces.
Está a ser difícil à minha mente combater esta ameaça com origem desconhecida. Desconhece-se de que parte de mim esta ameaça vem, e talvez esteja a ser tão difícil de combater porque é possível que venha da própria mente.
Nem sequer tenho medo do que vem a seguir, do que me é desconhecido. Tenho, antes, curiosidade.
Continuo a tentar dizer-me tudo aquilo que sempre disse, e em que sempre acreditei, continuo a tentar convencer-me de dar um passo atrás, ter cautela, não me deixar levar para um lugar desconhecido por uma causa desconhecida. Continuo a tentar lembrar-me de todas as consequências, de todo o tempo que teria de investir, da minha falta de paciência e do facto de que toda esta sensação pode esvair-se num estalar de dedos. E, se assim acontecer, darei por mim presa a algo que não me faz crescer, que não me satisfaz e que nunca foi o que a minha mente rejeitadora de finais felizes quis.
Mas não estou a ir a lado nenhum com estes convencimentos. As minhas dúvidas não me levam a lado nenhum, a minha tentativa de prudência falha redondamente. Só ele não falha. E o meu estômago, a minha vontade e o meu cérebro não demoram a responder a tudo aquilo que ele diz, faz ou pensa. Que ele faz, diz ou pensa talvez por ser quem é, ou talvez porque tem estas mesma dúvidas que eu. Apesar de ele não parecer assombrado por dúvidas nenhumas.
Já não tenho idade ou paciência para isto. Ou talvez tenha a idade e paciência certa para isto. Já não sei nada. Não é uma sensação agradável a alguém tão brilhante como eu, esta de não saber nada.
De qualquer das maneiras, que o tempo me dê as respostas certas. E se não der, que ao menos eu me divirta.
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