Depois vemos

Amor, não vás.
Eu sei que já não sou a rapariga que costumava ser, a de sorriso arrogante, humor contundente e palavras afiadas. Eu sei que estou a deixar os meus sonhos fugirem pelos meus dedos cada vez mais magros e que tenho de lidar com o desejo ardente de fugir.
Eu sei que já não sou digna de mim. Sou fraca e dorida, e o meu coração aperta ou larga com demasiada força. Os meus olhos já não conseguem ler mais e as minhas mãos já não são feitas para escrever todas as palavras que eu sempre achei que seriam a minha vida.
Eu sei que já não tenho a força por que te apaixonaste e que já não consigo viver só comigo e com a minha personalidade. Também sei que já não sou o desafio cético com que te deparaste, que a minha inteligência se perdeu algures na minha dor e que a minha assertividade foi engolida pelos meus soluços.
Eu sei que já não sou eu, meu Amor. Já não reconheço essa rapariga de que todos falam, e apenas posso simular a raiva que me costumava atravessar e que me tornava interessante, difícil e tortuosa. Já não reconheço as emoções que sentia e como as sentia, e toda a minha vida parece ter sido vivida por outra pessoa.
Mas, meu Amor, também sei uma coisa que nunca pensei dizer e, acima de tudo, que nunca pensei pensar: secalhar esta minha versão, vulnerável, apaixonada, dependente, é a verdadeira versão de mim. Secalhar passei a minha vida a tentar ser outra pessoa, ao ponto de me tornar nessa pessoa. E agora, ao teu lado, e absolutamente perdida em ti e em mim mesma, talvez seja finalmente eu.
Meu Amor, esperei toda a minha vida por ti. Soube isso no primeiro instante, pois senti um alívio enorme por não ter de continuar a ser outra pessoa enquanto esperava. Não vivi assim tantos anos, meu Amor, e, no entanto, pareceu que esperei milénios.
Nunca achei que fosse qualificada para amar, ou para ser amada, e, no entanto, soube que eras tu quase imediatamente.
Soube que eras tu quando olhaste para mim e eu me senti em casa nos teus olhos. Soube que eras tu quando estava cega e ao mesmo tempo mais lúcida que nunca. Soube que eras tu quando a minha mente amarga e cicatrizada se tornou automaticamente limpa e leve quando te conheceu. Soube que eras tu quando os nossos corações batiam em uníssono. Soube que eras tu nas minhas noites de insónias, em que o meu amor por ti era tão fervoroso que não me deixava dormir.
Depois de ti, meu Amor, não há mais nada. Depois de ti, se houver depois de ti, só há uma eternidade à espera que voltes. Não posso amar mais ninguém, meu Amor, porque isto não é amor. Isto é O Amor. Percebi isso no meio dos meus delírios magoados. Nunca mais ninguém poderá ocupar o teu lugar ao meu lado.
Foge comigo, meu Amor. Põe a tua mão na minha, faz as malas e desaparece desta Terra comigo. Vamos dar a volta ao mundo e esquecer tudo aquilo que é suposto nós fazermos. Vamos esquecer quem somos e sejamos apenas Tu e Eu. Vamos dormir sob as estrelas, mergulhar nos mares mais doces e correr na terra viva. Vamos cantar e dançar e ser tudo e nada. Vamos ser só nós, meu Amor. Para o resto de uma eternidade conjunta.
Voltemos a casa só quando já não conseguirmos correr e fugir. Quando o branco pinte os nossos cabelos e as rugas de felicidade ameacem os nossos belos rostos. Quando já tivermos cantado e escrito tudo.
Aí, voltemos para os braços que nos criaram. Compremos uma casa pequena, todos os livros do mundo, uma banheira grande e uma cama minúscula. Passemos noites em claro a falar e a olhar o Douro, ou o Tejo, ou o Oceano. Passemos dias a amar cada pedaço um do outro.
Sejamos o próximo grande amor. Não trágico, não rápido, não sádico. Apenas amor, do início ao fim, a vida toda, um amor entusiasmante e eletrizante.
E aí, depois de termos bebido todas as gotas da nossa juventude, casa comigo, meu Amor. Está do outro lado do altar quando eu desfilar de braço dado ao meu pai e de vestido não branco. Sorri para mim e sabe que estamos a fazer a única coisa tradicional do nosso amor. Tudo o resto não foi tradicional, amámos como nunca ninguém amou.
Sê a minha cara metade. E, se tal coisa existir, sê a minha alma gémea.
Sê tudo o que quiseres, meu Amor. A minha vida é tua, se a quiseres. A minha vida é minha, e eu sou tua.
Foge comigo. E tudo o resto, o que somos, o que temos de fazer, o que devemos fazer, que o leve o vento.
Sejamos só duas almas perdidas na brisa da vida. Perde a tua alma em mim, meu Amor.
E depois vemos.

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