Adolescente Magoada, parte II


Débora gemeu quando se deu no chão do polivalente.
- Meu Deus, peço imensa desculpa !
Ela olhou para a pessoa que tinha dito isto. Érica, a sua ex melhor amiga, olhava-a chocada. Tinha ido contra ela, concluiu. Fantástico. Érica tentou ajudá-la, mas ela recusou firmemente. Levantou-se e viu a ex amiga com os seus livros nas mãos. Arrancou-lhos.
- Tem calma, estava só a tentar ajudar.- disse Érica, admirada com a reação dela.
- Não preciso da tua ajuda.
Érica respirou fundo para acalmar a ansiosidade que tinha dentro de si.
- Ouve, lamento se ... - começou Érica por dizer.
- Lamentas o quê ? Não preciso que lamentes em nada. Não preciso da tua pena. Estou ótima. Não sou nenhum cordeirinho no meio dos lobos. - o olhar dela era frio e a voz dela dura.
- Deb, eu sei, mas ...
- Por favor, cala-te. Não me isolei porque ele me obrigou, isolei-me porque já não aguentava esses vossos olhares de pena. Isolei-me porque apercebi-me de que vocês são todos uns falsos.
- Deb...
Ela virou-lhe as costas e foi-se embora. As lágrimas caíam-lhe pelo rosto abaixo. Ignorava os rostos intrigados que passavam. E começou a correr. Corria de livros na mão. Tinha aulas ainda, mas só queria sair da escola. Não queria mais nada. Antes de conseguir chegar ao portão, sentiu uma mão no seu braço e uma dor imensa no ombro. Aquele braço estava em cima de uma das piores feridas e apertava com bastante força. Sentiu-se a ser puxada e virada. Estava a ver negro de tal modo que os movimentos lhe doíam. Quando conseguiu fixar a imagem, levantou a cara para fitar o olhar furioso de alguém que já lhe tinha sido tudo. Dinis, tinha os olhos azuis semi-cerrados, os dentes cerrados e respirava lentamente para se acalmar. O seu olhar fulminava-a.
- Que é que tu queres ???!!! - gritou ela, com as lágrimas a correr-lhe e com todo o corpo a latejar da dor excruciante.
Ele pôs violentamente as mãos nos braços dela, de modo a imobilizá-los. Colou a testa à dela e disse, por entre os dentes cerrados:
- Não te atrevas. Não te atrevas a chamar-nos falsos quando foste tu que nos abandonaste, não nós que te deixámos. Não te atrevas a dizer que não tentámos apoiar-te.  Não te atrevas a culpar-nos pela tua infelicidade.
Ela tinha parado de chorar. O olhar dele era ameaçador e perigoso. O instinto de sobrevivência dela estava ativado. Ia estar quieta, à espera que ele se fartasse. Ele continuava:
- Nós preocupámo-nos, nós tentámos ajudar e tu mandaste-nos à merda. Ignoraste-nos e agora olha para ti.
Ela ignorou o seu instinto. A raiva era agora maior. Fez-lhe um sorriso de escárnio.
- Olho para mim ? Que piada. Eu nunca quis nem pedi a vossa preocupação. Tenho 16 anos. Não sou menina nenhuma. Consigo defender-me.
- Nota-se.- Disse ele.
Só aí ele notou a cara de dor dela e só aí é que se apercebeu dos altos que ela tinha nos braços. Largou-a com um ar horrorizado e afastou-se alguns passos. A raiva esmoreceu-se. Estava completamente horrorificado. Ela olhava-o com um ar determinado.
- Ele ... Ele fez-te isso. - balbuciava ele.- Ele ...
Ela foi-se embora. Foi ter aula. Quando acabou a sua última aula, saiu da sala e dirigiu-se para o cacifo. Enquanto tirava as coisas de lá, o cheiro a tabaco com BOSS apareceu outra vez. Desta vez, ela puxou-o para si e beijou-o. Ele olhou-a surpreendido. Silenciosamente, levou-a ao portão. Uma multidão espalhava-se pela entrada. Quando eles chegaram, os olhos cravaram-se neles. Lourenço, puxou-a mais para si, com um ar preocupado. Débora não se tinha apercebido da tensão que estava por todo o lado. Deu pela presença de Dinis com um olhar vazio e os braços cruzados, de Érica com um olhar preocupado e ansioso, de Joana e de Eduardo com um olhar magoado, de todos os seus amigos, aliás ex amigos. Um mau pressentimento deu-lhe um arrepio. Amarrou-se a Lourenço. Por alguma razão naquela altura ele dava-lhe segurança.
Depois, só viu o seu irmão romper da multidão. E todos os rostos se aproximaram. Sorriu meigamente e disse:
- Olá, mano.
Mas Joel não estava para aí virado. Débora começou a aperceber-se da expressão do irmão tarde demais. Joel tremia de raiva, avançava com os olhos esbugalhados e as veias a notarem-se no pescoço. Empurrou-a para o lado e desferiu um golpe bem dado no lábio de Lourenço.
- Não !!!! - Disse Débora tanto pela surpresa como pelo horror.
E Joel desferiu mais golpes na cara de Lourenço. E quando este já sangrava no chão, pontapeava-o enquanto os seus amigos o agarravam para o afastar, sem sucesso.
- Seu porco, seu canalha! Voltas a pôr-lhe as mãos em cima e eu mato-te , percebes ???!!! Se ficas a menos de meio km dela, eu mato-te !!! - Dizia Joel, na sua fúria cega.
Aí, os amigos conseguiram afastá-lo. Débora ajoelhou-se ao lado de Lourenço, rodeava-lhe a cara ensanguentada com as mãos.
-Estás bem ? Por amor de Deus ... Porquê que não retaliaste ? Meu Deus, Lourenço... - Ela chorava e soluçava violentamente.
- Ele é teu irmão.- disse Lourenço, fazendo-lhe uma festa na cara.- E eu mereço-o.
- Não, é que ...
Foi interrompida pelo grito de Joel:
- Afasta-te dele ! Por amor de Deus, Deb, afasta-te desse gajo ou eu juro que perco a cabeça.
Ela levantou-se, porque Lourenço já se começava a levantar também e a limpar o sangue e olhou o irmão furiosa e com a cara encharcada de lágrimas.
- Pareço-te indefesa ???? Deixa-me em paz ! Mete-te na tua vida !
- Não te atrevas a vir com essa merdas, Débora .
Ela virou-lhe as costas. Ajudou Lourenço a levantar-se e algumas raparigas ofereceram-se para o levar à enfermaria. Ela aceitou sem olhar para elas. Tinha problemas maiores. Aproximou-se do irmão que a puxou para si e que a abraçou. Começou a chorar e a sussurrar-lhe. Ela não lhe retribuía o abraço.
- Lamento tanto, Deb. Eu não sabia, não sabia. Se eu soubesse ele nunca te tinha tocado. Desculpa...
Ela afastou-o e deu-lhe um olhar frio. Nesse momento, o diretor apareceu e chamou Joel para que se apresentasse no seu gabinete. Este virou o olhar confuso da irmã para o diretor. Mas seguiu-o.
E Débora dirigiu-se para onde estavam todos os seus ex amigos. O seu olhar era rancoroso e as suas mãos estavam cerradas.
- Como se atrevem ?
- Só estávamos preocupados contigo, Deb.- disse Joana.
- Não preciso da vossa preocupação. Parabéns. Estragaram-me a vida. Vão parar agora ou vão continuar ? Já se divertiram o suficiente ? Vão-me deixar em paz finalmente?
Alguns estavam chocados com as acusações, outros olhavam-na magoados. Érica olhava-a com pena e Dinis parecia indiferente.
- Cala-te.-disse-lhe Dinis.- E sim, vamos deixar-te em paz. O teu irmão a partir de agora trata disto. Já posso finalmente ignorar a tua pessoa sem peso na consciência.

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