Infantilidades

Lembro-me do desespero. Do pânico crescente no meu peito. Da súbita vontade de acordar, de que aquilo fosse só um sonho. Da infinita vontade de desaparecer.
Lembro-me da sala estar escura e quente, lembro-me do exato sítio onde estava sentada no sofá, lembro-me de ter que inspirar muito fundo para de facto conseguir respirar e de ter de sussurrar: ''não consigo fazer isto, não consigo fazer isto.''
Lembro-me do medo daquela imagem me desfazer em pedaços. Da certeza que me iria desfazer em pedaços.
Lembro-me de pegar nas garrafas. Apenas para relaxar, perder um bocado do stress, acalmar, divertir-me.
Lembro-me do efeito ser instantâneo. De sentir os meus ombros a descontraírem-se. A preocupação a sair do meu peito. Lembro-me da instantânea coragem líquida.
Lembro-me de me deitar no ombro de alguém que sempre desprezei e adorei ao mesmo tempo.
Lembro-me do imediato sentimento de vingança desaparecer.
Lembro-me de pensar que esperava nunca mais ter de voltar à vida normal porque o efeito daquelas garrafas passaria e tudo voltaria a ser adulto e dilacerante.
Lembro-me da noite inteira. De cada segundo, de cada movimento.
E depois lembro-me dos primeiros raios de sol. Do sentimento enorme de perdição, da visão enevoada, dos  pensamentos distorcidos, da frustração pelo efeito perdido.
Lembro-me da dor e estranheza que voltou a invadir o meu peito. Estava atenuada, no entanto. Não era como tinha sido.
Presa agora aos efeitos negativos daquelas garrafas, nos braços de alguém inadequado, a sentir-me a ganhar consciência.
A sentir-me a perceber a minha infantilidade quando tinha decidido, aliás, quando tinha, mesmo, crescido.
Eu cresci. Mas nessa noite, nessa degradante noite, eu não consegui mostrar que cresci. Consegui apenas mostrar uma menininha assustada, fútil, patética, vingativa. Mesmo que o que eu fiz não tenha sido por vingança, exatamente, e mais por sobrevivência.
Mas foi patético, ridículo, degradante.
E será que ajudou?
Ajudou, um pouco, a atenuar a dor. Ajudou porque receber atenção ajuda sempre.
Ajudou porque fez-me perceber que, se um mero líquido me consegue fazer indiferente, é porque não foi nada de especial.
Por outro lado, fez-me parecer estúpida.
Mas não importa. Terei outras oportunidades para demonstrar que não o sou, que cresci, que tenho orgulho em mim própria por isso mesmo.
Tenho apenas que apagar as memórias, ignorar o meu coração e voltar a usar o que se perdeu nessa noite: o meu bom senso.
Mas, tal como disse, nem tudo é mau.
Foi um exemplo do que ''não fazer''.
Porque depois é de manhã. E, apesar de não estarmos arrependidas, descobrimos que acabou por não mudar muito.
Apenas a maneira como nos vemos.

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