Down the Memory Lane

Os meus tacões ressoavam pela rua. 
Sorrio para o vazio, o meu sorriso atravessando tudo e todos. O meu sorriso estende-se pela minha face, pequeno, provocador.
Chamar-lhe sorriso é um exagero. É, na verdade, um vestígio. Uma réstia. Um nada.
Tal como eu, penso, ironicamente.
O vento faz o meu cabelo dançar e rodopiar à minha volta. Os meus olhos alternam entre a calçada e o céu.
Estou sozinha. Não no verdadeiro sentido da palavra, pois na rua veem-se algumas pessoas.
Mas estou sozinha.
A única razão pela qual gosto de ir de um lado para o outro a pé e sozinha, é porque me traz claridade, lucidez. Consigo pensar sem ser incomodada.
Naquele momento ponderava na razão pela qual o ''Certo'' fugia sempre de mim e o ''Errado'' me encontrava sempre. Não me considerava uma má pessoa. Pelo contrário. Mas sempre tive os meus momentos… Menos éticos.
Momentos em que me falta o senso comum.
Parecia que tinha passado a minha vida a saltar de erro para erro, de despedida para despedida. Por muito que pensasse nos assuntos, nas abordagens, nas estratégias, nunca corria como planeado e eu acabava por fazer asneiras.
O meu sorriso ironizava-se, queimava-me. O desprezo que sentia por mim própria era incrível. As palavras que me dançavam no cérebro eram pesadas, patéticas.
O meu peito estava frio. Com frio eu queria dizer frio por dentro, como se o vento me atravessasse a pele.
Os meus tacões ressoavam pela rua.
Não era mágoa aquilo que sentia, nem saudades, nem dor. A verdade é que nem fazia ideia do que podia ser. Sabia que não era felicidade porque o meu jovem espírito já sentira os contornos dessa emoção.
Não era raiva. Talvez frustração, mas não raiva.
O vento soprava cada vez mais forte, à medida que eu avançava na rua.
Fecho os meus passos, tentando ignorar os olhares, tentando ignorar as memórias de cada um.
O mar revoltava-se, cinzento, indestrutível. Batia contra o paredão com toda a força. O vento fazia da areia remoinhos.
E eu punha os pés na areia branca e avançava. Cada pegada na areia era um pedacinho de verão.
Incrível como me lembrava de tudo tão perfeitamente. Como se tivesse sido há semanas e não há 7 meses.
Dentro em pouco seria verão outra vez. E parte de mim perguntava-se se seria igual. Se alguma vez voltaria a ser igual.
Continuava a avançar na areia. Lembrava-me de cada chegada àquela praia, de cada passo ansioso que dava aguardando pelo que o dia me tinha reservado. Lembrava-me de todas as indecisões criadas e mortas naquela praia, de todas as lágrimas não por mim derramadas que eu desprezei para mais tarde limpar, de todas as palavras que foram ditas tão ansiosamente, tão desesperadamente.
Lembrava-me de todas as histórias que ali nasceram. Algumas das quais estavam agora mortas, enterradas, esquecidas. Outras estavam também mortas, mas longe de esquecidas. E outras ainda, apesar de mortas, tinham dado origem a novas histórias.
Perguntava-me se alguma daquelas histórias retomaria o seu lugar. Se renasceria. Ri-me perante a hipótese.
Ri-me por escárnio, por gozo de mim própria. Pela hipocrisia inscrita na pergunta. A ''história'' que eu tanto esperava que renascesse tinha-se ido de vez. Mas claro que eu ainda não acreditava nisso. Não totalmente.
Suspirei. Estava agora frente a frente com o mar, a minha força a tentar comparar-se com a das ondas.
Sentei-me na areia. Não me terei sentado longe do sítio onde o meu coração bateu mais depressa. Não me terei sentado longe do sítio onde me ri como se não houvesse amanhã. Não me terei sentado longe dos sítios todos onde fui feliz.
Pus os braços à volta dos meus joelhos, abraçando-me. Estava sozinha. Desta vez no verdadeiro sentido da palavra. Tudo o que havia era mar, areia, silêncio. O silêncio era apenas exterior porque os meus pensamentos faziam um barulho imenso.
Fechei os olhos. Debaixo das minhas pálpebras dançavam sorrisos, pessoas, atos, palavras, sons, memórias. Balançaram-se para a frente e para trás na minha mente.
Até que uma única imagem se prostrou na minha cabeça. E tudo se silenciou, até o vento.
O meu rosto distorceu-se para controlar a avassaladora emoção que se apoderou de mim.
Voltei a abrir os olhos.
Parecia tudo mais cinzento, mais apagado.
Levei os olhos ao céu. Sorri ao pensar quantas vezes o terei feito por tantas outras razões.
Deixei-me estar mais uns minutos naquela doce rendição.
Depois levantei-me a custo. Atravessei silenciosamente, de rosto fechado e pensativo, aquela expansão de areia.
Pouco tempo depois os meus tacões voltaram a ressoar na rua.
Mais pesados, agora, fúnebres.
Olhei por cima do ombro para a praia.
Em tom de despedida larguei lá todas as memórias.
E, em cada passo que dava de volta a casa, deixava um pouco de mim. O pouco de mim que participou em todas as memórias.

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