A hundred days have made colder...

Dia 62:
Revirei os olhos aos meus próprios pensamentos. Encostei a cabeça à parede. Caí, suavemente, num ilusório transe.
Nas minhas ilusões levantei-me abruptamente e atravessei o patético e diminuidor corredor, perante as expressões estupefactas de quem me rodeava.
Nas minhas ilusões atravessei aqueles 20 quilómetros de dentes cerrados, mãos em punhos e com os olhos a transbordar de ódio.
E, quando cheguei onde queria, ao sítio onde todas as minhas vibrações negativas se juntavam, fiquei à espera.
A raiva corroía-me o espírito. Tencionava deixá-la falar por mim. O que provavelmente significaria não falar.
E, no meio destes meus pensamentos, vi-o. De rosto brando e concentrado, com as mãos perdidas dentro de um aparelho qualquer.
Senti o meu rosto empalidecer. O meu peito parou de imitar o som regular de um coração. Já nem me lembrava da raiva de há momentos. Levei as mãos ao peito enquanto tentava recuperar do choque.
Uma mulher mais velha de uniforme vermelho apareceu atrás dele. Dirigiu-lhe palavras amistosas que o fizeram virar-se. Ele retribuiu-lhe o sorriso caloroso, que lhe iluminou os olhos raiados de azul e verde.
Ouvi um baque dentro de mim.
Abri os olhos.
Não tinha saído do lugar. Continuava encostada àquela reles parede daquele patético corredor.
Os meus olhos preparavam-se para se encher de lágrimas. Não precisei de os controlar, já sabia que era um efeito temporário, que não se concretizaria.
Levantei-me, a par com tantos outros, e entrei na sala. Sentei-me no meu lugar, coloquei o meu caderno aberto em cima da mesa e peguei numa caneta.
Fitei, de olhos cegos, a imensa folha branca. Voltei a ver, nela, os iluminados olhos, raiados de azul e verde.

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