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A mostrar mensagens de março, 2013

Independência - II

Margarida riu-se largamente com a voz descontraída de Rafaela. Amigas desde o secundário, conhecidas desde a preparatória, Margarida encontrava em Rafaela uma calma de espírito contagiosa que achava ser inestimável. - E então miúda, como estão os maravilhosos campos do Mondego? - Estou em Trás-os-Montes, Rafa, em lado nenhum se vê o Mondego. - Riu-se. - Oh, Geografia, Geografia... Olha queres saber o que se tem passado por aqui? - Com certeza. - Sabes aquele jeitoso que vivia na rua atrás da nossa na faculdade? - O Marco, claro. Tivemos tanta pena quando ele acabou o último ano e voltou para a ''Coimbra do Mondego''. - Sim, esse mesmo. Ontem tive o prazer de me cruzar com ele. Ele lembrava-se de mim! - Não me acredito! E que raio está esse Adónis a fazer na cidade invicta? - Arranjou um emprego lá, na firma central! - Tu e os advogados, Rafa... - Que queres que te diga?... Têm qualquer coisa extremamente irresistível... - As tretas? - Sorria desenfreadamente...

Independência - I

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Ela inspirou com força o ar puro. Parte de si não acreditava que se tinha decidido a ir às montanhas. Não acreditava que estivesse assim tão desesperada. Detestava as montanhas. Detestava tudo o que fosse longe da sua terra à beira mar. No entanto, eram aquelas as suas origens. O seu pai sempre adorara aquela zona. Ela lembrava-se de todas as histórias que ele lhe contava sobre as brincadeiras de um menino de olhos azuis nos montes. Lembrava-se de, quando era mais nova, rodopiar e acabar por cair na enorme expansão verde. Lembrava-se de ser tão pequena, a relva tão verde, o céu tão azul, as montanhas tão altas, os rios tão rápidos. Lembrava-se de tudo ser tão intenso, demasiado intenso para o seu pequeno coração. Talvez fosse disso que estava à procura. Da intensidade com que antes sentia tudo. E portanto tinha feito as malas e tinha viajado até ao local que fazia os olhos do seu herói brilhar. Regozijou-se pelo facto de agora poder ir onde bem lhe apetecia. De faculdade acab...

O som do recomeço

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O meu quarto está quente e luminoso. Os meus dedos batem pesadamente no teclado. É-me impossível descrever este sentimento. A lucidez, a claridade. Sinto-me como se fosse eu de novo. Mas um ''eu'' renovado, resplandecente. Tenho um sorriso irónico no rosto. Por razão absolutamente nenhuma, apenas porque tenho. Apenas porque me sabe bem tê-lo, faz-me sentir controlada. Estou em paz comigo mesma. Estou em paz com tudo. A rapariga no meu espelho sorri-me, de grandes olhos castanhos, agradada por me voltar a ver. Sorri-lhe de volta. Era, de facto, agradável voltar a sentir-me confiante. Era agradável sentir-me respirar sem problemas. A pior parte passou. E não foi assim tão má. Lá fora o tempo está morto, cinzento. Mas nem isso me incomoda. Sinto-me como se tivesse dormido este tempo todo e agora fosse finalmente hora de acordar. Suspiro alegremente. Apetece-me sair mas não saberia para onde ir. Apetece-me estar com alguém mas não saberia com quem. A verdade é que ...

Down the Memory Lane

Os meus tacões ressoavam pela rua.  Sorrio para o vazio, o meu sorriso atravessando tudo e todos. O meu sorriso estende-se pela minha face, pequeno, provocador. Chamar-lhe sorriso é um exagero. É, na verdade, um vestígio. Uma réstia. Um nada. Tal como eu, penso, ironicamente. O vento faz o meu cabelo dançar e rodopiar à minha volta. Os meus olhos alternam entre a calçada e o céu. Estou sozinha. Não no verdadeiro sentido da palavra, pois na rua veem-se algumas pessoas. Mas estou sozinha. A única razão pela qual gosto de ir de um lado para o outro a pé e sozinha, é porque me traz claridade, lucidez. Consigo pensar sem ser incomodada. Naquele momento ponderava na razão pela qual o ''Certo'' fugia sempre de mim e o ''Errado'' me encontrava sempre. Não me considerava uma má pessoa. Pelo contrário. Mas sempre tive os meus momentos… Menos éticos. Momentos em que me falta o senso comum. Parecia que tinha passado a minha vida a saltar de erro ...

Brother

Pus o meu braço à volta dos ombros dele. Não me parece que ele tenha entendido a sublimidade do gesto. Talvez seja demasiado novo para perceber. Talvez eu seja demasiado nova para fazer com que ele perceba. Ninguém entende a facilidade do laço. Ninguém compreende a hesitante sensação de ternura que nos invade. A criança que costumava ter nos braços é agora um pré adolescente resmungão. A criança que vi crescer senta-se agora ao meu lado e sorri-me. Passaram 11 anos. Mais de uma década a tê-lo a meu lado. Mais de uma década com a constância do sorriso dele. Tivemos momentos em que não nos suportávamos um ao outro, é verdade. Tive momentos em que detestei ter um irmão, em que preferia estar sozinha. Mas que faria eu sem o riso trocista dele, sem os olhos enormes e arregalados dele, sem as nossas discussões? Éramos ambos pirralhos pequenos quando eu subia ao teu berço e ficava a brincar contigo a tarde inteira. Éramos ambos míseras crianças quando eu costumava brincar às c...

...

''Como estás?'' Já não são os de olhos brilhantes que perguntam.Sou eu mesma. Parece que estou sempre a pensar no assunto, sempre a revivê-lo, sempre a falar dele. Mas é como se nunca conseguisse saciar a minha vontade de falar, de esclarecer. Passam alguns minutos da meia noite. Por uns minutos é dia 21 de março. O dia tão esperado. Nunca pensei que fosse passá-lo... Assim. Será que ele se vai lembrar? Claro que não. Já não lhe faz diferença. Já não lhe faço diferença. Isso por alguma razão é reconfortante. Simplesmente arrancá-lo assim da minha vida, é reconfortante. Talvez tenha acabado. Talvez não nos voltemos a ver. Ou talvez só nos vejamos daqui a muito tempo. Talvez as nossas vidas tenham mesmo tomado rumos contrários. Talvez aquela saída tenha sido a nossa despedida. Mais uma vez, reconfortante. É reconfortante saber que a partir de agora as escolhas dele não afetam a minha vida e que as minhas não afetam a dele. Este vai ser um dia complicado. Mas...

Better

Hoje o dia está a ser particularmente bom. Por nenhuma razão em especial, simplesmente porque acordei e estava num bom dia. Estou a sorrir, descontraidamente, estou a fazer planos, estou ótima. Hoje é de facto, um ótimo dia. Talvez seja o ponto de viragem, talvez seja o sinal de que vou voltar a ser eu mesma dentro de pouco tempo. Talvez seja o primeiro ponto de viragem. Amanhã será outra vez um péssimo dia. Porquê? Apenas porque é dia 21. Mas amanhã acabará. E, aí sim, quando o dia de amanhã acabar, vai tudo ficar espetacular. Vou voltar a respirar, a rir. Tal como hoje. Sinto-me adulta outra vez. Educada, controlada. Ao mesmo tempo começo a voltar a sentir a imaturidade de antigamente a despertar-se dentro de mim. A maravilhosa imaturidade. Estar a escrever ajuda. Faz-me sentir sã, limpa, curada. Pensar em divertir-me  ajuda. Sinto-me de volta, a cair em mim outra vez. A sensação fria no peito voltou após todos estes meses. O meu sorriso enorme voltou após t...

Rolling in the deep...

O quarto está escuro e quente. O ar está abafado. Estou deitada na cama, enrolada nos lençóis a olhar para o vazio. Tenho um pequeno sorriso espantado nos lábios. As minhas mãos estão amarradas uma à outra. O meu cabelo espalha-se pela almofada. Na minha cabeça infinitos cenários se pintam. Todos eles são utópicos e fantasiosos. Todos eles só provam a minha fraqueza. Mas sorrio. Vivo naquelas realidades por uns minutos. Depois treino mentalmente milhares de discursos nos quais garanto o meu bem estar, nos quais deixo de lado a minha imaturidade, nos quais deixo de ser eu. Revivo ainda os momentos mais cruciais dos últimos tempos. Estes momentos despertam em mim a indignação, a raiva, a dor, a saudade. Não consigo parar de querer escrever mesmo sem saber o que escrever. Preciso de algo que me impeça de enlouquecer. Porque parece que estou mesmo a enlouquecer. É diferente de tudo o que já senti. É como se o meu coração estivesse protegido por uma redoma que abafa a dor. E ao mesm...

Infantilidades

Lembro-me do desespero. Do pânico crescente no meu peito. Da súbita vontade de acordar, de que aquilo fosse só um sonho. Da infinita vontade de desaparecer. Lembro-me da sala estar escura e quente, lembro-me do exato sítio onde estava sentada no sofá, lembro-me de ter que inspirar muito fundo para de facto conseguir respirar e de ter de sussurrar: ''não consigo fazer isto, não consigo fazer isto.'' Lembro-me do medo daquela imagem me desfazer em pedaços. Da certeza que me iria desfazer em pedaços. Lembro-me de pegar nas garrafas. Apenas para relaxar, perder um bocado do stress, acalmar, divertir-me. Lembro-me do efeito ser instantâneo. De sentir os meus ombros a descontraírem-se. A preocupação a sair do meu peito. Lembro-me da instantânea coragem líquida. Lembro-me de me deitar no ombro de alguém que sempre desprezei e adorei ao mesmo tempo. Lembro-me do imediato sentimento de vingança desaparecer. Lembro-me de pensar que esperava nunca mais ter de voltar à vida ...

Como estás?

''Como estás?'', perguntam eles, de olhos brilhantes. Os meus olhos, irónicos e cansados, responderiam por mim. Mas eu não os deixo. Liberto então um sorriso que se estende no meu rosto. Este meu sorriso tem também a sua ponta de sarcasmo, mas eles não o sabem. E depois digo, de voz límpida e espirituosa: ''Estou ótima''. E eles sorriem, alguns satisfeitos, outros não. E o meu sorriso fecha-se. Maldita pergunta. Fico deitada na minha cama a pensar em como responder a todas as malfadadas perguntas iguais que virão no dia seguinte. As minhas respostas derivam: ''Estou bem'', ''Estou maravilhosa'' e outros disparates semelhantes. Tento não exagerar no entusiasmo com que o digo para que pareça convincente. Tento modular a minha voz de modo a que seja calma. Tento parecer descontraída. Nunca saberei como responder a perguntas dessas. O meu orgulho quase que me obriga o mostrar o quão bem eu estou para que toda a gen...

The End

E chegou por fim, a conclusão. A minha criança interior revoltou-se e lutou para se soltar dentro de mim, mas controlei-a. O Fim. O fim de quase meio ano. O fim repentino daquilo que tem sido a minha vida nos últimos tempos. Ainda bem que foi pela altura das férias. Assim , acabou simplesmente. E eu tenho duas semanas para recuperar e depois voltar em força. Só mais 24 horas, e tudo acabou. Mais 24 horas e não volto a ver a cara dele por 3 meses. Tenho 3 meses para o ultrapassar. Bem ou mal. E nesses 3 meses eu vou-me divertir. Vou olhar para rapazes, talvez até me meter com alguns. Vou mudar de estilo, vou fazer mais amigos, vou tirar melhores notas. Em geral, vou-me reinventar. O fim de algo é sempre uma desculpa para uma pessoa se reinventar. Que venha o futuro. Tal como eu disse, cresci o suficiente para admitir que não estou totalmente em paz com isto. E cresci o suficiente para saber que ultrapassar isto vai custar. Mas algo me diz, que no fim destes 3 meses, eu...

Holding on

Proibi-me de escrever nos últimos dias. Impedi-me de o fazer porque tudo o que escrevesse ia ser ridículo, patético, deplorável e indigno. Ia fazer com que tivesse vergonha de mim própria, com que me detestasse por algum tempo. E portanto esperei, até estar racional, até a minha mente estar limpa. Até me sentir matura o suficiente para enfrentar isto da maneira que devo. Pensei em muita coisa depois de saber a verdade. Pensei em reter o pouco orgulho que me restava. A pouca dignidade que eu pensava que me restava. Pensei em lidar com isto como se fosse uma criança. E acabei por me decidir a crescer, finalmente. A verdade é que a situação era má. E eu não soube lidar com ela. Mas ele soube. E era o fim. Era o fim, mas eu era infantil o suficiente para não querer admitir isso. Como todas as crianças, pensei em ser eu a pôr o ponto final, apenas para não ficar mal, apenas para manter a réstia de dignidade que acreditava ter. Como todas as crianças, pensei em esfregar-lhe na ca...

Mudanças

Irritantes devaneios ... Estarei a sucumbir à imaginação? Ou é este o resultado de toda a confusão? Será já o início do fim? Os primeiros vislumbres da luz ao fundo do túnel? Ou serei só eu a delirar? Estarei a imaginar a diferença nos tons de voz? A indiferença no olhar? Estarei a imaginar os silêncios? A falta de riso? A falta de emoção? Já não é suficiente? Os papéis inverteram-se? Estarei a ser ridícula? Patética? Sim... Mas estarei a ser ridícula com razão?

A Tempestade

Mil relâmpagos atravessam os meus olhos. Não se conseguem ouvir, ainda, os trovões. A minha respiração está ofegante, barulhenta, como um tornado. O meu sangue revolve-se, agita-se desenfreadamente, desajeitadamente, como o mar revoltado. Não chove, no entanto. Nem uma gota de chuva salgada. Os meus dentes cerram-se como árvores a cair. A minha visão está negra, escura, assombrosa. A única coisa que consigo distinguir são as enormes faíscas brancas. Já se ouvia a tempestade a chegar há muito tempo. Já se imaginava os seus estragos há eternidades. Mas a tempestade controlou-se. E continua a controlar-se. Continua a reprimir-se, a oprimir-se, a manter-se. A minha paciência esgota-se. A indignação agita o mar. A fúria revolta o vento. O ''PORQUÊ???'' ressoa na minha cabeça. E assim que a tempestade se descontrolar, esse ''PORQUÊ???'' vai sair em forma de trovão.

Antecipação

O tempo passa demasiado depressa. Ouço os pés a bater na terra, o marchar poeirento e rítmico, o barulho de aviões. Consigo cheirar o enxofre, e nele o teu perfume. Consigo ver o verde manchado. Consigo ver o teu rosto transformado em mármore duro. Consigo ver os teus olhos vazios. Consigo sentir-me a correr na tua direção, o meu estômago a embrulhar-se, um nó a formar-se na minha garganta. Consigo sentir o orgulho a palpitar-me debaixo da pele. Consigo sentir o meu rosto a contrair-se num sorriso. Tu viras-te e já não és o mesmo. Já não me sorris. Os teus braços abrem-se, num gesto mecânico e coordenado. Corro para eles, até os meus pés já não sentirem o chão. E, quando finalmente me vejo envolvida naqueles membros que me sabem a casa, que me sabem a ti, começo a reparar nos pequenos pormenores. Na falta de brilho nos teus olhos. No sorriso frio. Nos traços do teu rosto, antes tão abertos, tão doces, tão teus. E agora tão mortos. Consigo ouvir a falta de promessas, a falta de p...

A carta de amor que eu nunca escrevi...

Meu Amor, Perdi-me na eternidade. Fiquei algures na imensidão do Universo. Fiquei no despontar de um raio de sol, no brilho de uma estrela, no despertar de um sorriso, nas cores de um pôr do sol. Acordar já não me custa, meu Amor, porque irei levantar-me e enfrentar um mundo que já não é cinzento nem frio. Irei levantar-me e deparar-me com o teu perfume em todo o lado, com a tua voz nos momentos mais espontâneos. Irei ver o teu sorriso no sorriso de todos. Irei abraçar-te em todos eles, amar-te em cada um. E tudo isto porque não assim tão longe está alguém que sorri ao ouvir o meu nome. E eu sorrio-lhe de volta, mesmo que ele não consiga ver. Fizeste-me sentir amada, Amor. Apenas pela maneira como olhas para mim, apenas pela maneira como me tocas. Penso que ainda não conhecia essa sensação. Detesto palavras, Amor. Nunca as consigo dizer sem parecerem mentira. Mesmo a escrevê-las neste momento tenho a sensação que me parecem mentiras. Mas não o são, Amor. São as maiores verdades qu...