Acessos de raiva - I

Não me julgo capaz de odiar. De odiar vozes, sons, atitudes, frases, paisagens, talvez. Mas odiar pessoas? Não creio. Não creio que o meu peito tenha as dimensões necessárias para ódio. Ou para amor, por sinal.
Portanto, não penso que tenha, realmente, odiado alguém. Mas desprezar? Sem dúvida. Desdenhar? Sem dúvida.
Já não sentia o calor abrasador da raiva há muito tempo. Queima-me as entranhas, envenena-me as palavras. Fúria é-me regular, rotineira, mas a fúria é fria, rápida, como um fogo gelado.
A raiva consome-me devagar e lentamente, tortura-me com o calor no estômago que sobe pelo esófago. E acaba por definhar ou em lágrimas ou em desprezo frio e absoluto.
O bom de tudo isto é que não existe outra emoção em mim para além de absoluta e controlada raiva. Não existe nostalgia ou saudade ou seja o que for. Esta raiva, estridente e infinita ocupa toda a minha mente. Faz-me encher-me de nojo e indiferença por esta pessoa que eu nunca pensei que me viesse a inspirar tais sensações. Mas, repito, nada disto é ódio. Não lhe desejo mal nenhum, bem como não lhe desejo bem algum. É apenas uma indiferença incendiada, um rancor tranquilo, um desprezo controlado, desprezo esse que eu já deveria ter começado a exercer há meio ano atrás. 
E haverá claro muita gente que chamará a tudo isto infantilidade, mas lá está, infantilidade seria se eu continuasse, ridícula e serena a idolatrar um homem que não é herói nenhum e, aliás, não é homem nenhum, é um menino patético. Pergunto-me agora como me permiti, como me permitiram, render-me a algo tão medíocre e tão inferior. Tão abaixo de mim, de toda a minha personalidade.
Pergunto-me como, na altura, fui capaz de perdoar de forma tão branda, como não me tornei sequer mesquinha. Tornei-me simplesmente patética, ridícula, infinitamente inferior, interminavelmente louca. E agora suspiro irritada, irritada com as minhas prévias atitudes, com a minha ingenuidade. Com a minha submissão.
Felizmente tudo isso acabou. E eu estou livre dessa estupidez que se colou na minha mente por demasiado tempo. Infelizmente, ele mantém-se a passear dentro de mim. Mas agora apenas provoca raiva, desprezo e até, por vezes, uma violência incontestável.
Mas acabou e eu não voltarei a vê-lo, provavelmente. Portanto que se esconda a minha raiva, porque já não importa nem faz diferença.
Repito, nada disto é ódio. Tenho uma alma demasiado limitada para ódios.

''Ódio seria em mim saudade infinda, 
Mágoa de o ter perdido, amor ainda! 
Ódio por Ele? Não... não vale a pena... ''Florbela Espanca

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