Constrangimentos
Foi tão estranho ter-te assim tão perto. A meros centímetros de mim, à distância de um esticar de braço.
Não pensei que voltasse a ver-te assim tão perto. Não pensei que pudesse voltar a reparar na tua pele morena ou que voltasse a ter a oportunidade de olhar, olhar mesmo, para ti. Achei que ver-te assim fosse reparar aquilo que está avariado dentro de mim, pelo menos parcialmente, mas penso que apenas piorou. Apenas me lembrou aquilo que eu era, o quão patética eu acharia que as minhas atitudes presentes são, o quão ridícula, hipócrita e fraca me tornei.
E quando te toquei... Foi tão estranho, porque fi-lo sem querer, inconscientemente e com um à vontade ridículo. Talvez tenha pensado que acabaria com a névoa de estranheza que pairava. Bem, enganei-me. O teu rosto surpreendido trouxe-me de volta à Terra. Apesar de só te ter tocado com a ponta dos dedos, senti como se fosse um abuso monumental. Então afastei-me, mais uma vez constrangida e patética. Talvez no meu rosto se tenha espelhado uma surpresa maior do que a que estava espelhada no teu. Pelo menos assim o espero, porque quero que saibas que foi um acidente. ''Acidente'', aliás. Deixei-me levar pelo à vontade momentâneo e esqueci-me daquilo que está em cada canto da nossa coexistência, esqueci-me do assunto que nós tanta força fazemos por não pisar nas nossas conversas, esqueci-me o quão complicado é falar como se não tivéssemos histórico, esqueci-me da força dos travões na minha garganta quando falamos, esqueci-me da estranheza, do constrangimento.
Não esperava nada, ao início. Nem esperava palavras vindas de ti, ou aliás, vindas de mim. Achei que seria como se o último ano não tivesse acontecido. Como se o histórico fosse apagado e nós fôssemos recém-conhecidos, sem qualquer ligação um ao outro. Não foi isso, no entanto, que aconteceu. E, apesar de todo o constrangimento, houve uns segundos em que fomos nós de novo. Em que nos rimos e em que conversámos sem travões. Mas foram uns segundos.
O que se retirou desses momentos foi que já não chegas para me curar. Preciso de algo novo e diferente, que não tenha já em si uma nódoa pesada. Retirou-se também o facto de que talvez, passado muito tempo e muita prática, sejamos amigos. E que mudaste, de facto, mas não para uma pessoa absolutamente diferente daquela que eu conheci. Essa pessoa ainda está algures em ti.
Eu conseguia sentir o teu cheiro, ver-te detalhadamente e, se tivesse coragem, tocar-te. Passado todo este tempo, essa era uma novidade para mim, uma novidade que eu achei que me encantaria. No entanto, apenas me encheu de nostalgia e tristeza, mais uma vez. Foi aí que soube que já não chegavas.
Apesar de tudo isso, quando saí dali, deixei o meu coração partido enterrado na areia. Já não me servia de nada. E, em cada passo para casa, levantava-se um pouco o meu espírito.
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