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A mostrar mensagens de maio, 2013

Marcas

Passo a mão pela folha para sentir a marca das letras, das palavras. Como se delas transbordassem tudo o que eu quero dizer, tudo o que disse. Tudo o que senti. ''Senti a alma gelar. Os meus olhos esbugalharam-se, a minha respiração acelerou para cortar a sensação. Pousei a mão no peito como se pudesse evitar o derradeiro impacto que aí viria. Senti a antecipação das lágrimas. Fechei o ecrã violentamente. Pensei que isso fosse melhorar a situação, mas em nada ajudou. Desliguei as luzes. No escuro não me conseguiria ver, não conseguiria sequer imaginar o meu rosto desfeito. Deitei-me na cama em busca do consolo, como tantas vezes já tinha feito. Nela procurava abandonar-me, deixar-me levar pelas ondas agudas de dor no meu peito. Fiz força para chorar, mas as lágrimas não vinham. Tentei fingir que não existia, tentei deixar o meu corpo desgastado na Terra e retirar-me do meu agoniado espírito. Queria deixar de falar, de ver, de ouvir. De ouvir principalmente, porque o som do...

Flash back

''Os meus olhos estão cegos. Fitam as paredes caiadas, enfurecidos, desiludidos. Como se eu já não soubesse. Os meus lábios distorciam-se numa expressão de nojo, de desprezo. Detestei-me por uns segundos. Se eu sabia, se eu já sabia, porque fingi que não? Porque me deixei enganar como se fosse nada, como se fosse lixo? A resposta para todas estas perguntas delineava-se no ecrã do meu computador. Ecrã que eu ignorava deliberadamente. Ele estava bem. Ótimo, até. E eu detestava-o por isso. Detestei-o tantas vezes ao longo dos últimos dez meses. Todas as vezes tinham uma razão particular. A primeira foi por ele ser tão diferente que me fascinava de uma maneira que eu não achei ser possível. Depois por ele dizer aquilo que dizia, por mexer comigo. Depois por ter dito ''aquela palavra''. Como se fosse assim tão fácil. Como se fosse óbvia, até ridiculamente óbvia. Depois por me fazer sentir da maneira que eu me sentia. E, no fim, por ser o fim. Já não estarei far...

Ela

Imagem
Sorri espontaneamente. Os olhos negros dela iluminavam o espaço, iluminavam-nos a todas. Ela mexia-se fluentemente. O rosto dela, perdido na felicidade, quase obrigava os nossos a perderem-se também. Aquela maravilhosa mulher fazia mais um ano. Mais um ano de triunfo, de vitória, de sobrevivência. Ela é a prova viva de que a alma humana supera tudo. De que a regeneração é possível. Pus a mão sobre o meu coração partido. Invejava o regenerado dela, invejava os olhos negros, que eu tantas vezes vi mergulhados em mares. Quem me dera conseguir mergulhar os meus assim, em água carregada de dor, que cedo sairia de mim. Ela é o exemplo da mulher regenerada que quero ser. Com algumas diferenças, com métodos diferentes. Mas não deixa de o ser. Perguntei-me quantas vezes teria ela sentido a perda a dor, a desilusão. Se seriam tantas como eu. Se seriam mais. De coração partido, sorri. Sorri totalmente orgulhosa daquela personagem que agora fazia parte de mim. E esperei que algum dia pudess...

A Música

Dia 68: ''... Eu não preciso te olhar pra te ter em meu mundo, porque aonde quer que eu vá, você está em tudo, tudo, tudo o que eu preciso... Te vivo...'' A música ecoa nas paredes fechadas do meu quarto. De pernas cruzadas, deitada na cama, fitava o vazio de olhos cheios. Cheios de memórias, cheios rancores, cheios de sonhos, cheios de dores. Todos os traços do meu rosto poderiam contar a minha história. A óbvia e banal história por detrás da música que ecoava repetidamente nas paredes do meu quarto. Já não a ouvia há meses. Lembro-me de não a conseguir apagar. Da minha mente, do meu computador ou do meu telemóvel. A música mergulhou-me em enormes poços de saudade. Se bem que, desta vez, não sabia do que tinha saudades. Podia ser das noites frias em que eu me dirigia a casa de espírito quente. Podia ser do bater descontrolado do meu coração, quando os olhos dele me trespassavam, quando as mãos dele me percorriam incessantemente. Podia ser da sensação de absoluta co...

As primeiras despedidas

''Vou-me embora''. Foi tudo o que eu vi no rosto dela. E apesar da tristeza que me assolou respirei fundo. Apenas para concluir que ela se ia mesmo embora. Que o meu inferno na terra estava a começar. Que era a primeira de tantas despedidas. Elas não se iam simplesmente embora. Elas iam desaparecer da minha vida. Como se nunca nela tivessem existido. Achei que o choque não me ia deixar chorar. Não deixou, ao início, à frente delas. Porquê? Será que inconscientemente já me preparei para ser a única que se mantém firme? Depois a realidade abateu-me no segundo em que a vi entrar no carro de olhos vermelhos e inchados. Ela não ia voltar. E agora estou sentada na minha cama, quase a sufocar à frente do computador. Nunca a vou ver outra vez, não dentro do equipamento que ela usou por tantos anos, nunca a vou ouvir a resmungar outra vez, a rir da forma histérica dela. Foi a primeira saída. E eu já acho que não aguento mais nenhuma. Não consigo pensar... Ela foi-se ...

Insónias

Esfrego os meus olhos lassos. O sono parecia pendente na minha mente, sem se querer concretizar. Mais uma noite de insónias, concluí, mais resignada que aborrecida. Quis deitar-me e perder-me na almofada, mas a verdade é que, se ia estar acordada, mais valia ser produtiva. Ponderei em todas as palavras ditas. Em tudo o que ele dissera, tudo aquilo que me fizera. Sempre o mesmo. Fizera-me sempre o mesmo. O meu estômago parecia invadido por borboletas, o meu coração parecia que me ia sair do peito. E, apesar de todos os sinais físicos, sentia-me oca. Indiferente. Talvez tenha fechado essa parte de mim. Ou talvez só a tenha fechado para ele. Talvez realmente já não haja mais espaço em mim. Virei o rosto para o elefante de peluche, que me observava dali, de cima da estante. Sempre tratei aquele elefante como se fosse um pedaço dele. Daí não estar a dormir com ele esta noite. Porque preciso de respirar, de pensar. De me lembrar daquilo que aconteceu há meses atrás. E não me esquecer ...

Ódios de estimação - I

Ser velha aos quinze anos é tortuoso. É tortuoso ver pessoas da nossa idade a fazer e a dizer coisas próprias da idade e só me apetecer bater-lhes. Dizer as patéticas frases feitas, jurar amores eternos, dizer que já se passou por muito com década e meia de vida. Credo. Não estou para textos bonitos hoje, meus leitores. Quero apenas vomitar ódios de estimação. E um deles são os adolescentes. Os ridículos adolescentes. Comecemos pelos amores. ''Amo-te para sempre.'' Que bom, que bonito. Que treta. É óbvio que não vai ser para sempre. São novíssimos, têm a vida toda pela frente, não digam disparates desses. Não caiam nas melosas lamechices. Ou então caiam, mas controlem a língua. Porque juras de amor dessas são ridículas. Digam-nas quando estiverem nos vossos 30, 40 anos. Não quando ainda têm tanto para descobrir na vida, tanto porque se apaixonar, tantas pessoas para conhecer. Enfim... Isso apenas dá em obsessões. A vida em si tem um fim, o que obriga a que tudo o ...

A hundred days have made colder...

Dia 62: Revirei os olhos aos meus próprios pensamentos. Encostei a cabeça à parede. Caí, suavemente, num ilusório transe. Nas minhas ilusões levantei-me abruptamente e atravessei o patético e diminuidor corredor, perante as expressões estupefactas de quem me rodeava. Nas minhas ilusões atravessei aqueles 20 quilómetros de dentes cerrados, mãos em punhos e com os olhos a transbordar de ódio. E, quando cheguei onde queria, ao sítio onde todas as minhas vibrações negativas se juntavam, fiquei à espera. A raiva corroía-me o espírito. Tencionava deixá-la falar por mim. O que provavelmente significaria não falar. E, no meio destes meus pensamentos, vi-o. De rosto brando e concentrado, com as mãos perdidas dentro de um aparelho qualquer. Senti o meu rosto empalidecer. O meu peito parou de imitar o som regular de um coração. Já nem me lembrava da raiva de há momentos. Levei as mãos ao peito enquanto tentava recuperar do choque. Uma mulher mais velha de uniforme vermelho apareceu atrás ...

O Reencontro

Consigo imaginá-lo agora. De rosto distorcido num pequeno sorriso de autossatisfação. Os olhos dele, raiados de azul e verde, transformados em pedras atentas à espera da presa. As mãos morenas dele em punhos cerrados. Consigo sentir a consciência dele morta. Ver os estragos que lhe fiz, que estou prestes a fazer-lhe. Consigo imaginar-me a vê-lo. A sentir o estômago às voltas, as palmas das mãos a suar, o coração quase a sair-me do peito. Imagino o olhar frio e distante que ele me vai dirigir. O olhar frio que eu vou tentar retribuir. Imagino os silêncios. Os longos silêncios constrangedores entre as conversas de circunstância. E imagino o momento em que ele me vai perguntar. Não sei bem o quê ao certo, mas vai trazer tudo de volta. Imagino a minha resposta, firme e concisa, a olhar para tudo menos para ele. Não sei se acenderá uma discussão comedida, se ficará por aí, se resultará numa conversa adulta. Apenas sei a maneira como ele vai olhar para mim. Avaliando todas as mudanças...

O Animal

O peluche mantem-se ali a fitar a parede. A fitar a minha parede de um azul contundente. De olhos cegos e vazios. Consigo, nos olhos cegos e vazios dele, ver os olhos cheios de quem mo ofereceu. Os olhos que, na altura, enchiam os meus. Agradeci mentalmente pelo silêncio eterno daquele animal inanimado. Se ele pudesse falar, enumeraria os momentos em que lhe sorri tristemente, de olhos ternos e perdidos nos nós da minha mente. As fatídicas noites de insónias em que o envolvi nos meus braços num ato de total simbolismo, esperando que a minha mensagem atravessasse aqueles quilómetros. As aterrorizantes noites após os meus pesadelos. O degradante dia em que o olhei com um ódio serpenteante. O angustiante minuto em que o movi para longe da minha vista direta. Fito-o agora com a noção de que já não me mergulho na desiludida agonia que ele antes trazia. Vê-lo apenas me lembra de todas as recordações já marcadas em mim. Apenas me lembra o conflito gigantesco em que estou. Apenas me lembra ...

Ricochete

Calço os sapatos com o tacão mais alto que tenho. Levanto-me e dou uma volta em frente do espelho. Solto o meu cabelo e espalho-o uniformemente. Fito o reflexo dos meus olhos e sorrio por ver o quão negros e vazios parecem. Ensaiei a mesma expressão de sempre, repleta de seriedade e até hostilidade. Levantei o queixo orgulhosamente e sorri ligeiramente. Carreguei o meu sorriso de escárnio, de ódio, de desprezo. Por vezes pergunto-me se preciso mesmo de toda a minha atitude. De toda a acidez. E poucos minutos depois vejo as expressões nos rostos. E as expressões tiram-me do meu pedestal, tornam-me pequenina. Portanto relembro a mim própria que estou de tacões e volto a espetar o queixo. Não importa o que eu faça. Podia vestir-me de maneira diferente, encher o meu rosto com os sorrisos abertos e tímidos que tanto desprezo e agir de maneira diferente. Mas as expressões nos rostos deles não mudariam. O facto de não me verem como uma pessoa não mudaria. Não teria sossego. Portanto p...

Regeneração

Passaram duas semanas desde que o teu nome me fez tremer pela última vez. Não sei se hei de ficar feliz ou se hei de ter pena. Não sei como vai ser a minha vida sem estar agarrada a algo irreal. Não me deixa mais feliz. Deixa-me simplesmente indiferente. Não tinha noção do quão indiferente estava até ao segundo em que me disseram. Até ao segundo em que soube que tinha acabado. Incrível. Nem passaram dois meses. Não passaram dois meses e eu já me consegui levantar de novo. Talvez porque este execrável processo já tinha começado muito antes do Fim. No entanto sei que não consigo começar de novo. Pelo menos não para já. Porque tu podes já não estar em mim mas todas as memórias estão. Todos os pequenos pormenores ainda estão marcados na minha mente. Mas dei-te o meu perdão. Não quero que esta frase pareça condescendente ou arrogante. A verdade é que precisava de to dar, a verdade é que o merecias. De qualquer das maneiras, o meu perdão marcou o início do fim do processo, o início da r...