Dignidade

Fitou as unhas da cor do sangue que constrastavam com a pele branca. Sorriu inconsequentemente, o rosto carregado de autossatisfação.
Sentada numa cadeira de madeira, cruzou os pés armados de tacões imponentes, em sinal de impaciência. O ecrã do computador teimava em não lhe mostrar o que ela queria.
Achava ridícula aquela situação toda. Desde quando é que era que esperava, ela que ansiava? Ela era um prémio, o qual eles tinham que merecer. Sacudiu o cabelo arrogantemente. O pobre rapaz pensava que a podia domar. Pensava que conseguia ganhar jogos psicológicos com ela. Era impressionante o tamanho da ilusão em que ele se tinha mergulhado.
Os olhos negros dela perscrutavam o ecrã. Ia ganhar. Por muito que a impaciência a consumisse, ia ganhar.
Sentiu o estômago encolher-se. Perguntava-se se já só lhe interessava o jogo, o orgulho. Se tudo o que ele era se havia evaporado dela. Ou se o retorno da arrogância a tinha fechado. Apostava mais na segunda opção. Levantou, então, os olhos para o teto, e pestanejou várias vezes.
Era um prémio, disso tinha a certeza. Tinha uma postura estonteante, uns olhos devoradores, uns lábios expectante, movimentos longos e demorados. Era a pessoa mais culta e inteligente que conhecia, mais altruísta e independente.
Era um prémio. E ele, no entanto, conseguia fazê-la sentir-se pequena, conseguia tirá-la do seu pedestal. Conseguia desfazê-la com o olhar e ela sentia-se ridícula, patética, pequena. Era, de facto, esta a palavra chave. Porque ela nunca tinha sido pequena. Nem física nem psicologicamente.
Mas o golpe que levara na sua dignidade, no seu orgulho, magoara-a e, pior, transformara-a. Ela era agora pequena. Tentava voltar, ser o que era, o que tinha sido. Tentava ser arrogante e má e egoísta e egocêntrica. Porém, já não o era.
Tudo por causa de ele a ter tornado pequena, de a ter posto nesta caixa pequena e, por causa da pequenez dela, de a ter esquecido.
Ela recusava-se a ser pequena. Mas não era como se tivesse muita alternativa.
Portanto, pequena, magoada e com um chumbo no orgulho, ela escondia-se. Escondia-se dele, de toda a gente. Não queria que a vissem assim, tão desvalorizada, tão de rastos, tão fora dela.
Infelizmente não se podia esconder para sempre. Daí estar naquele momento a tentar falar, pensar, agir, como antes. Se assim não o fosse, eles saberiam.
E a última coisa que ela queria que se soubesse era que tinha qualquer fraqueza.

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