A realidade

Tenho adiado escrever. Tenho adiado escrever tanto este texto como todos os outros. Já comecei milhares de rascunhos que nunca terminei, que deixei inacabados, porque não sabia o que mais escrever e porque tenho medo do que acontecerá quando acabar de os escrever.
Mas está a chover. As gotas de chuva caem pesadas no telhado da minha casa, fazendo um ruído regular e reconfortante. E, apesar dos meus olhos pesarem incitando-me a dormir, eu sei que no segundo em que os fechar receberei imagens desagradáveis que se escondem debaixo das minhas pálpebras. Portanto vou-me manter acordada e vou escrever.
Não tenho nenhum objetivo com este texto. Não tenho assunto nenhum em particular que surja na ponta dos meus dedos. Poderia escrever sobre como eu costumava apreciar as noites de chuva há meses atrás, com a cabeça perdida na almofada, um sorriso nos lábios e a mente bem longe dali. Poderia escrever sobre o quão viciada uma pessoa pode ficar na nostalgia e na tristeza. Poderia escrever sobre o quão presa estou na minha mente, o quão desinteressada estou em tudo, o quão pesada me sinto, o quão incapaz estou.
Poderia confessar as minhas loucuras, as minhas intermináveis loucuras, que começam na plena manhã com uma memória qualquer, prolongam-se pela tarde com as minhas chamadas à realidade e culminam nos meus sonhos repletos de ilusões.
Poderia admitir que me perdi e que não me vejo a voltar. Que me perdi dentro dos meus próprios pensamentos porque uma grande parte de mim não quer enfrentar a realidade.
Poderia admitir que me sinto ridícula e hipócrita por confessar tudo isto. Que me sinto patética por sentir tudo isto.
E, por fim, poderia confessar que estou a enlouquecer. Estou a enlouquecer graças à desilusão, estou a enlouquecer graças ao desinteresse, estou a enlouquecer porque já não sou eu, estou a enlouquecer porque a realidade é demasiado cruel, fria e dura. E eu, conhecida não apreciadora de mudanças, da realidade e de despedidas, não consigo aceitar. Não consigo perceber, sequer.
Sou fraca. Fiquei fraca. Nunca me vou perdoar por ter ficado fraca. Nunca me vou perdoar por me torturar desta maneira. Mas preciso. Estou a enlouquecer. Seja quando me assolam recordações aos olhos baços fixos num qualquer ponto, seja quando acordo após um sonho de quimeras, seja quando escrevo assim, com o coração, ou com a minha imitação do mesmo, nas mãos. Estou a enlouquecer. E só há uma solução. Aliás, há duas. Mas a segunda é só mais uma das minhas ilusões.
Preciso de recuperar a sanidade. Preciso que a cura chegue depressa. Preciso de parar com as ilusões, preciso de me entreter, de sair da minha cabeça.
Preciso de mim. Eu sou a cura. Só eu posso romper este feitiço.
Tenho medo do que acontecerá quando parar de escrever. Vou provavelmente deitar-me e entregar-me aos horrores da noite.
Mas estes horrores são muito mais pessoais, muito mais privados. Principalmente porque são meras representações da verdade.

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