O Fim - O Novo Começo
Dia 274:
O Inverno aproxima-se, o Inverno que eu tanto espero que regenere o meu espírito, que o limpe e o purifique e que me torne em alguém que não é mais do que a versão mais simples e mais aperfeiçoada de mim.
Será um Inverno produtivo, em que não tencionarei fazer mais do que melhorar-me, do que terminar os meus maiores projetos, limar os cantos mais rebuscados da minha mente, ser confortável, prática e feliz. Não tenho muitos impedimentos. Não tenho impedimentos de todo. Não é uma surpresa constatar que já não há nada que me proíba ou que me impeça de me transformar, de seguir com a minha vida, de me tornar num projeto interminável. Tinha (tenho) medo de mudar, porque achei que isso afastaria os sussurros do passado, que os apagaria de vez. E eu, por muito que dissesse o contrário, não queria, não estava preparada para que eles se fossem. Mas estou-o agora, sem querer, sem saber muito bem como.
A verdade é que já me tinha mudado, involuntariamente. Tinha-me tornado nervosa, velha, amargurada, irritada, inconveniente. Tornei-me amargurada e inconveniente ao início, calada e ansiosa mais tarde, velha e atenuada agora. Cheguei à fase final, fase em que tudo isso acabou, em que o meu único desejo é conseguir aquilo que tanto quis no início, que foi há tanto tempo que as flores ainda se abriam, o sol ainda brilhava e o calor começava a espreitar. Foi há tanto tempo que eu já nem me lembro, apesar de esse tempo ter corrido inconsequentemente. Foi há tanto tempo, há tantos eus atrás, há tanta amargura atrás, quando eu estava apenas ligeiramente angustiada e esperançosa que tudo acabasse depressa. Mal sabia eu que seria uma viagem lenta e tortuosa...
Enfim, há esse tempo todo, eu queria paz. Paz que atingiria lendo um milhão de livros, perdendo imensos quilos, despejando uma torrente de palavras, tratando sempre de mim, adorando a crescente atenção. Consegui essa paz por uns momentos, mas ela foi-me roubada por nada mais que eu própria e as minhas insónias ilusórias. E percebi que a conseguiria atingir de novo há uns dias me deparei com uma certa voz, igual à voz fantasma, e sorri. Sorri porque, não pela primeira vez, mas pela última, que essa voz tinha-se desvanecido da minha mente. Esse sorriso foi tanto de alegria como de ansiedade, pois a minha mente vazia tem de arranjar futilidades para estar ocupada. Felizmente, essas futilidades andam abundantes, abundantes demais. Infelizmente, essas futilidades bloqueiam-me a veia literária, de tal forma que me custa a sequer esboçar um texto. Portanto, até ter outra distração, uma saudável desta vez, que não se baseie numa fantasia, na codependência e na minha patética autodestruição, serei impedida de escrever pelas minhas próprias mãos.
Valerá a pena porque, não pela primeira vez mas pela última, as minhas mãos ganharam alegria e vida, a minha pele pálida resplandece, os meus olhos negros brilham, o meu sorriso tem humor. Não pela primeira mas pela última vez, eu estou em paz e em sossego. Sinto-me eu própria, apesar da irritação que borbulha nas minhas silenciosas entranhas.
Finalmente e por fim, posso escrever um ponto final, posso fechar este livro assombrado, que encheu este ano de tormentas e de dores. Posso desenhar na última página:''O Fim''. E depois posso pegar noutro livro e escrever, na primeira página, que sorri para mim, branca e pronta: ''O Novo Começo''.
Comentários
Enviar um comentário