Mensagens

A mostrar mensagens de agosto, 2013

Indecisões

''Porque não?'' perguntam os meus olhos deliciados. ''Porque sim?'' pergunta o meu cérebro, já cansado e irónico, já farto da facilidade com que a vontade de ceder se instalava em mim. ''Mas porque não? Porque não ceder outra vez, divertir-me, ser feliz nem que seja só por um tempo?'', responde o meu corpo, concordando com os meus olhos, a vibrar e a sorrir. ''Todos nós sabemos como isso geralmente acaba...'' suspirou o meu cérebro, frustrado e irritado. ''Ninguém se iria magoar. Seria simples e fácil.'' dizem os meus olhos, não compreendendo a recusa do meu cérebro, a vontade deles a ceder ao discernimento. ''Nada é simples'' diz mais uma vez o meu cérebro ''Ambos sabemos que mesmo que seja simples para ti, o mesmo não acontece para a outra parte.'' Mexo-me desconfortável na cadeira. Era verdade. Nunca nada seria simples. ''Então render-nos-íamos a algo comple...

The Lady

Dia 162: A mulher no espelho sorri-me, radiante. Os cabelos de um loiro negro brilham, os olhos pretos resplandecem, a tez morena contrasta com os lábios perfeitamente delineados, pintados de um vermelho contundente, que se abriam num sorriso que mostrava os dentes brancos. O prazer que retirei de cada segundo daquela auto-observação foi um tanto ou quanto doentio. Estava de volta. Não me lembrava da última vez em que a visão de mim própria me tinha preenchido por completo os sentidos. O meu amor-próprio pelos vistos não tinha qualquer mácula, eu estava impecável e pronta. Foi, no entanto, um choque ao perceber que, pela primeira vez desde sempre, eu parecia uma mulher. Não uma menina, não uma miúda, não uma rapariga. Uma mulher. Acredito que já tenha passado várias vezes por uma, mas nunca me tinha realmente sentido como uma. Achei que só esse pormenor, só essa visão, ia ser o suficiente para a noite que se sucederia ser um sucesso. Devo-me ter esquecido que essa noite era para eu se...

Love stories

Para uma pessoa que se considera independente de romance e incólume de amor já atravessei imensas histórias, algumas ridículas, outras divertidas, outras marcantes. Claro que quando se está envolvido na história não se tem a noção do porquê de ser tudo isso. Apenas quando se sai, ileso ou não, é que ao olhar para trás se sorri ou se cora. Acho que o tempo nos traz sabedoria. Daí que considere a maior parte das minhas ''histórias de amor'' desnecessárias. Desnecessárias porque, talvez, não eram histórias de amor. Porque não eram mútuas, porque sou demasiado nova para tal coisa, porque algumas foram apenas fogo de vista, porque foram só ilusões na minha cabeça. Ou, talvez, que se dane tudo isso. Não deixam de ser histórias porque sou muito nova. Aliás, faz mais sentido que assim seja, nesta idade em que as nossas hormonas andam aos saltos e os nossos corações correm. Não considero a história que vos ando a contar há meses uma história de amor. Considero, sim, uma histór...

Acessos de raiva - I

Não me julgo capaz de odiar. De odiar vozes, sons, atitudes, frases, paisagens, talvez. Mas odiar pessoas? Não creio. Não creio que o meu peito tenha as dimensões necessárias para ódio. Ou para amor, por sinal. Portanto, não penso que tenha, realmente, odiado alguém. Mas desprezar? Sem dúvida. Desdenhar? Sem dúvida. Já não sentia o calor abrasador da raiva há muito tempo. Queima-me as entranhas, envenena-me as palavras. Fúria é-me regular, rotineira, mas a fúria é fria, rápida, como um fogo gelado. A raiva consome-me devagar e lentamente, tortura-me com o calor no estômago que sobe pelo esófago. E acaba por definhar ou em lágrimas ou em desprezo frio e absoluto. O bom de tudo isto é que não existe outra emoção em mim para além de absoluta e controlada raiva. Não existe nostalgia ou saudade ou seja o que for. Esta raiva, estridente e infinita ocupa toda a minha mente. Faz-me encher-me de nojo e indiferença por esta pessoa que eu nunca pensei que me viesse a inspirar tais sensaçõ...

''Sweet'' 16

Estou velha. Absolutamente velha. Cansada de tudo e todos. Preparada para um ano de sofrimento, preparada para o resto de uma existência de esforço contínuo. Assumi toda e qualquer obrigação. Sujeitei-me a todas, mesmo sem me aperceber. De repente sujeitei-me a ser uma boa filha, uma boa atleta, uma boa amiga, uma boa aluna. Assim, como se nada fosse, como se não custasse nada. Ser nova não era suposto significar divertir-me? Ser indiferente, fazer asneiras? Então nunca o fui. Nunca fui despreocupada ou descontraída, ou indiferente. Nasci adulta, aparentemente. Não sei quando aceitei ser velha mesmo sendo nova, mas aparentemente aconteceu, aparentemente tomei essa decisão. Aparentemente, em algum ponto na minha vida, decidi que ela seria uma infinita lista de tarefas e obrigações. Sussurro para mim própria que é só mais um ano, um ano de exaustão e infinito cansaço, um ano em que não tenho tempo para mim ou para aliás mais nada que não sejam essas tais de obrigações. Sussurro par...

Reino das Trevas

Quinta feira, 8 de agosto de 2013: Escrevo-vos, nesta tarde de quinta feira, a tão poucos dias do meu Dia, neste parapeito  entre as enormes montanhas que ameaçam o céu valenciano e as praias paradisíacas que o iluminam.  A claridade que recuperei até agora, trouxe o meu anterior caráter ácido e racional. A racionalidade assenta-me, apesar de me tornar amarga e triste. A racionalidade enche-me os olhos de ironia e cansaço, relembrando-me que há um mês atrás eu bem precisava de um pouco dela e ela não existia e agora cá está, reclamando de novo o seu lugar. Infelizmente, já estou tão fundamentada em irracionalidade que será impossível eu tomar as decisões racionais nos próximos tempos. Há um mês atrás, eu era uma miúda de coração partido, mergulhada na estupidez e na ridicularidade. Surpreendi-me quando percebi que isso se havia alterado, e que o facto de isso se alterar me permitira retornar ao meu velho feitio envenenado. Surpreendeu-me que a perda se tivesse dissipa...

A Descoberta

Descobri, hoje, algures entre as doces alvoradas e os amargos fins de tarde, que estava pronta. Pronta para um nova aventura, pronta para me receber, pronta para a conclusão. Descobri-o enquanto suspirava pela falta de pensamentos na minha mente, enquanto me apercebia que aqueles que realmente tinha eram finos e fugidios. Que a enorme cortina de ferro que pendia sobre mim começava a subir e a desfazer-se. Percebi-o quando a conclusão de que talvez nunca mais o veria me trouxe absoluta e completa resignação. Descobri que as tardes eram agora mais doces, que as letras encravadas nos livros eram de uma humildade perfeita, que o meu coração estava leve e vazio. Talvez seja efeito do relaxamento a que estou sujeita, do azul profundo do mar, do som infinito das praias, das vistas intermináveis das montanhas. Talvez seja uma bonita ilusão, que desaparecerá assim que eu puser pé em solo português. Então, aproveitá-la-ei. É-me, de facto, impossível pensar em seja o que for para além da est...

Espanha

Quarta-feira, 6 de agosto de 2013: Nunca pensei que a distância da minha terra perdida no Além Douro me fosse trazer claridade. Julguei piamente que a paz que tanto preciso não estava escondida entre o calor abrasador valenciano, entre as planícies profundamente flamencas, entre a prosperidade dos campos e dos sorrisos catalões. Porém, a minha alma, tenebrosamente portuguesa, precisava de esvaziar. O meu peito estava cheio, não sei muito bem de quê ou porquê.  E aqui, nesta terra abrasadora e coberta de iodo, é o sítio ideal para todo o meu ser se esconder e se transformar. É o sítio ideal para eu largar toda a ansiedade, todas as preocupações. Para deixar, neste canto tão adverso à minha morada, todas as aflições. É o local ideal para a regeneração do meu espírito, espírito esse que já começava a recuperar-se. Descobri isso enquanto suspirava de futuras saudades pela minha terrinha à beira mar. Enquanto, eternamente saudosa, percebi que a escuridão me havia abandonado....

Contos de Fadas

Era uma vez um príncipe. Um príncipe que eu tive o prazer de conhecer há não assim tanto tempo, em circunstâncias não assim tão diferentes. Como todos os príncipes de todas as histórias que se prezem, este seguia-se por um código de honra e cavalheirismo, de dedicação e compromisso. Esse príncipe estava apaixonado, ou pelo menos assim o pensava. Como em todas as histórias que se prezem havia um conflito, que transformava o amor que supostamente era nutrido pelas duas partes em algo proibido e complicado, neste caso eram os intermináveis quilómetros que os separavam. Mas não era esse o único problema. O príncipe não estava apaixonado por uma princesa, apesar de o crer. As princesas dos contos de fadas são subtis, tímidas, calmas, graciosas e bondosas. Os olhos delas concedem a paz às almas atordoadas, as suas ações acalmam as revoluções da natureza. Mas esta rapariga não era assim. Assemelhava-se mais a uma vilã que a uma princesa, na realidade. Os olhos dela, negros e desiludidos, a...