O que será, será.

Os dias passam leves, lentos e simples. Não tenho memória de acontecimento nenhum, porque nenhum acontecimento é digno de memória. A minha mente entrou numa fase de estagnação absoluta, e assim sendo, o passado não existe, o futuro também não. Não me lembro do que fiz ontem, do que fiz na semana passada, no mês passado. Felizmente, também não me lembro, ou lembro-me apenas lassamente e com uma indiferença extrema, do que me gastou no mês passado, no ano passado, numa vida passada. Do que me ofendeu ontem.
Não me lembro do que é sentir. Ou, antes, não me lembro do que é sentir seja o que for que não seja esta vaga vontade de me libertar das obrigações, que estão já em contagem decrescente, ou esta resignação alegre da estagnação.
O meu ser desistiu de se sentir revoltado, indignado. Desistiu de lutar por um breve período e decidiu hibernar, ou estivar, aliás. Todas as injustiças do mundo ainda lá estarão daqui a umas semanas, todas as minhas causas podem esperar. Toda a teoria sobre tudo o que existe pode esperar e todo o meu aguçado, amargurado e contundente espírito crítico pode esperar.
Resigno-me com a mediocridade por agora, resigno-me com o não pensar. Resigno-me com a beleza de se ter uma redoma à nossa volta, que impede os afiados espíritos alheios de entrar. Sou completamente alheia a tudo, autónoma de tudo, incondicional e intemporal de tudo.
Nem as ausências me magoam. Nem a ausência de quilómetros, a ausência de anos ou a ausência de espírito me magoam. Essencialmente porque passo os dias a esquecer-me delas, com os pormenores mais simples e humildes. Talvez seja mesmo isto ser feliz. A alegria resignada da noção de que não se é nada, de que não se foi e de que não se será nada. A noção de que não se sente nada.
O perfeito equilíbrio de emoções, ao ponto em que elas se anulam umas às outras... A estagnação dos humores.
E tudo é no presente, tudo parece intemporal, tudo parece o absoluto e perfeito pináculo da criação.
A felicidade é sentir pouco, é amar apenas os cheiros, os sabores, os momentos. Não amar mais nada nem ninguém, nunca. A felicidade é não ter de planear, é não ter de lembrar. Tudo foi esquecido.
E o futuro? Esse não existe, somos nós a criá-lo. Somos Deus do nosso futuro. E, por agora, eu digo que o meu futuro pode esperar pelo seu Big Bang, enquanto eu mergulho nas belas vagarezas entusiasmantes da vida...

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