Gasta

Queridos leitores,
A partir de certa altura, chega-se a um ponto de exaustão absoluta. O ser humano sente-se tão usado, tão emocionalmente gasto, tão cansado, que parece não ser possível recuperar.
Gostava de me poder deitar, adormecer, e nunca mais acordar. Ou, talvez, acordar passados muitos anos, de um sono profundo, pesado, sem sonhos. Acordar após tantos anos que já tudo seja claro como a água, que eu já me tenha esquecido de tudo, que eu me sinta finalmente e novamente, jovem, com sentido, revitalizada.
Como se acordasse numa manhã dourada de primavera, quente e fresca, após um longo inverno rigoroso e gelado.
Estou tão absolutamente exausta que considero seriamente desistir, fugir, afastar-me. É melhor. Afinal, tenho demasiadas lacunas, demasiadas máculas. Estou demasiado perdida, fui demasiado usada ou traída.
Estou demasiado gasta. Todo o meu espírito foi demasiado gasto e usado. Sou um brinquedo já gasto, já velho, com o qual brincaram até me estragar. Depois concertaram-me provisoriamente, apenas para me usar até já estar gasta outra vez e, eventualmente, me partir.
Uma parte de mim quer revoltar-se contra tudo e contra todos. Mas isso não melhoraria a minha humilhação, não me facilitaria a vida. Cair num poço sem fundo também não. E estou, aliás, orgulhosa de mim, por me ter mantido à tona, por não ter perdido um pingo de autoestima, por nos poucos dias que faltam não ter entrado num jogo de escondidinhas.
Resignei-me facilmente com a situação, o que representa provavelmente o facto de eu ter a noção do quão prejudicial ela era para mim, do quão farta já estava e do quão sabia que era demais para a conjuntura toda.
Seja como for, após um dia de amuo, fiquei quase como se nada tivesse acontecido. O constrangimento mantém-se, mas esse é inevitável. Agora, anseio pela altura em que vou finalmente libertar-me de todas as obrigações.
Deixei completamente de ser capaz de acreditar e de confiar. O que é pena, tendo em conta que sou tão nova e que tenho toda a minha vida pela frente. Uma vida em que já estou gasta e usada e cansada. Em que já tenho olheiras e rugas, em que já estou farta.
Deveria afastar-me por completo. Virar costas a tudo isto, que eu sei que não me faz bem, que eu sei que apenas vai significar outra mácula. E Deus sabe que estou cheia delas...
Chega, não chega? É suficiente... O destino do ser humano é passar a vida a magoar e a ser magoado por coisas ridículas, patéticas. Mas não será o meu destino. Já fui fria e distante uma vez, hei de o ser outra vez...
Custa-me, no entanto,... Porque mais uma vez. Mais uma vez, fui enganada, retorcida, manipulada. E, desta vez, ao contrário de tantas outras, eu realmente tive esperanças. Eu realmente achei que era possível Mesmo que, racionalmente, a tal voz na minha cabeça dissesse que estava a ser ridícula, que precisava de acordar e abrir os olhos.
Mas tentei, juro que tentei desta vez. Esforcei-me, pelas primeiras vezes na minha vida. Tentei, tentei, tentei, tentei... E acabou mal.
Quero voltar a não tentar. Quero voltar a ser cética. A nunca mais me lembrar. A ser jovem. Quero voltar a acreditar sem acreditar. Quero voltar a ser fria, distante, quero ter uma redoma. Como tive há um milhão de anos...
Estou tão cansada... Tão exausta...
A vida foi-me sugada. Por um mero engano, um mero lapso, algo insignificante, empurrei-me para um abismo. Já não me sentia à beira de um abismo há muito tempo... Agora aqui estou de novo. Não porque estou destruída, mas porque desisto, porque estou...
Quero desesperadamente voltar no tempo. Impedir-me de olhar. Por algum lapso do destino, não olhar, não ver. E seria livre, tão livre.
Quero voltar à espera, à estabilidade, à certeza. Quando eu sabia. Antes da horrível instabilidade, que me encheu de todos os defeitos.
Mas o karma não me permitiria. Como alguém que nunca acreditou na expressão ''tudo o que vai volta'', surpreendo-me a pensar que realmente tudo o que de corrosivo me acontece é karma, por todas as minhas decisões estúpidas, por toda a minha arrogância, por todo o mal que fiz. Portanto, como posso eu reclamar? Estou apenas a sofrer as consequências, as repercussões de todos os que já magoei.
Conformo-me, assim, com a situação. Tudo isto é inevitável. Só parará quando eu parar. Aqui estou eu, portanto, decidida a parar. Adeus vida boémia.
E começo a voltar... Começo a respirar fundo...
Estou bem. Sei que estou bem. Sei que estarei sempre bem.
Está quase a acabar...

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