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A mostrar mensagens de setembro, 2013

Recordação ambulante

O ambiente passou de escuro e frio para festivo e cheio. As vozes animadas do espaço transformavam tudo em luz e calor. O cheiro a bolos e café impregnava o ar e criava uma aura de refúgio do frio que se enfrentaria lá fora. Era cedo para esse tipo de constatações. Em fins de setembro o tempo não estava frio, apenas cinzento e frustrante. Mas dentro daquele espaço quente e isolado era difícil não imaginar nevões a cobrir o chão lá fora. Envolvida pelo cheiro permanente a confeções doces, avancei a passos largos no acolhedor espaço. Os olhos dele foram os primeiros a encontrar-me assim que transpus a porta improvisada. Os meus também cedo encontraram os dele e, como sempre, não se desviaram. Só desviei o olhar quando me sentei de costas voltadas para ele. Não me atrevi a certificar-me se ele ainda estava a olhar, sentindo já o meu coração a esmurrar as minhas costelas. Não sei o nome dele. Já o devo ter ouvido algures, mas provavelmente não quis saber, até porque não faria diferença...

Tardes de chuva

Os meus olhos cruzaram-se com os dele. No meio daquela gente toda, senti algo quente a borbulhar-me na pele. Quis sorrir, mas sabia que não era boa ideia. Apressei-me portanto a desviar o olhar e a ser empurrada pela multidão. No meio de todas aquelas vozes, de todos aqueles passos mecânicos na mesma direção, debaixo da chuva miudinha que preenchia o ar de um cinzento sufocante, eu permiti-me pensar naquilo que tinha tentado abafar o dia todo. Perguntei-me o que raio é que nos tinha acontecido. Como é que, quase de repente, tudo se extinguiu, se apagou, se foi. Como é que, no que parece tão pouco tempo, eu passei de o adorar, para ele me ser como o nevoeiro fino que me atravessava nesse momento. Como é que eu, que me perdi naqueles olhos tão castanhos, que deixei tanto, mas tanto tempo da minha vida neles, simplesmente me esqueci. Como é que eu passei de ter tantas saudades agoniadas para só me lembrar dele quando os meus olhos se cruzam involuntariamente com os dele. Como é que eu p...

Se eu tivesse sabido...

Estive a ver fotografias. Tanto minhas como alheias, de há uns anos, de há uns meses, de há umas semanas. Consegui localizar as situações em que estava metida em todas elas, como começaram, como acabaram. Enchi-me de uma nostalgia profusa, que agiu como pequenas cordas que sufocavam ligeiramente o meu peito. Enchi-me de saudades de tudo o que eu dizia ou fazia, de como a vida era, de como eu me sentia nessas alturas. Foi-me tão interessante quanto doloroso ver a minha evolução, ver o quão depressa o tempo passou e quanto mudou em meros meses. Não só fisicamente, apesar de, de facto, em poucos meses, eu parecer outra pessoa, mas essencialmente em termos de personalidade, em termos de... Farpas. Lembrei-me desta palavra no momento em que me deparei com uma fotografia, A fotografia. Já não olhava para ela há tantos meses, já nem me lembrava da existência dela. Mas naqueles minutos em que a fitei, senti exatamente isso: farpas. Farpas geladas que se cravaram no meu coração. E eu, que há ...

Será?...

Não me consegui impedir. Não sou propriamente um modelo de autocontrolo, mas em geral consigo pelo menos controlar os meus pensamentos. Aparentemente perdi essa capacidade. A minha mente mergulhou em redundâncias, em repetições de tantos momentos passados, em ilusões sobre momentos do futuro. Até me sinto estranha quando isto acontece porque já passou demasiado tempo, já lasquei essa parte de mim aos bocados. Fiz então um esforço por estar atenta, por me concentrar, convencendo-me que era importante, que eu ia precisar de tudo o que estava a ser dito. Mas minutos, talvez apenas segundos, depois, já a minha mente estava bem longe daquele restrito lugar, longe daquelas opressivas paredes. Tanto em tempo como em lugar. Fico presa em tempos muito mais interessantes, tempos em que, de facto, eu tinha algo por que ansiar. As minhas memórias e ilusões chegam a constranger-me de tão desaquadas. São desadequadas porque importam algo que eu já não creio ter no meu coração. Rancor, tristeza. J...

De setembro de 2012 a setembro de 2013...

Estava a ler tudo o que escrevi desde aquela desastrosa noite há tantas noites atrás. Li cada pensamento magoado e destroçado, cada palavra carregada de saudade e desprezo, de desassossego e insónia. Li o suficiente sobre essa rapariguinha mudada, ingénua, completamente inocente e sem noção. Sobre as esperanças dela, as dores, as torturas. Essa rapariguinha tinha desaparecido. No lugar dela ficava uma mulher, ácida e independente, feliz e sóbria. Não significa que aquilo que me aterrorizou naquela noite desapareceu, está ainda bem presente, bem expectante. Mas já não daquela maneira tortuosa, que me trazia o pânico ao peito, que me impossibilitava a respiração, que me inundava em mágoa e mágoa, tão antiga e tão inútil. Ainda passo o dia a encher-me de memórias. Qualquer coisa me traz uma nova memória, seja o dia, seja o mês, seja a hora, seja o lugar, seja uma qualquer palavra. Ainda o espero encontrar em todos os cantos, a cada segundo, a todos os segundos. Ainda o procuro, o que é ...

''When you feel a feeling that you never felt before''

O cheiro é inebriante. Sei que se prolonga na minha camisola, no meu cabelo, nas minhas mãos. Que mais tarde ou o farei desaparecer ou o aproveitarei, inalando-o outra vez, sentindo tudo de novo. A minha pele está toda arrepiada, lenta, suave. Os meus músculos ficam moles, como se não aguentassem o peso do meu corpo, como se precisassem de apoio, de suporte. Felizmente eu tenho apoio. Estou subitamente cega. Não porque literalmente deixe de ver, mas deixo de figurativamente ver. Os meus olhos estão baços e veem muito além daquelas paredes ruídas, muito além daquelas cores de verão e outono, misturadas numa orgia maravilhosa. Os meus ouvidos ouvem muito além daqueles sons da natureza, tão simples, tão fáceis. A minha respiração fica difícil, lenta. Torno-me, de repente, impossível de suportar sozinha. Não me consigo sequer mexer, as minhas reações usuais, extremamente reativas, desaparecem. E eu já não sou eu, o mundo já não é o mundo. Até que por fim, aquela tortura tão deliciosa, ...

Pensamentos Proibidos

O meu estômago revolve-se outra vez quando na minha mente sorri outra imagem, outra sensação, outra memória. Fico chocada com o meu desplante, com a minha descontração, como se de nada se tratasse. Porque para mim, de nada se trata. Não é que não queira partilhar-me com outra pessoa, não é que não queira sorrir e olhar e tocar e todos esses hábitos. Mas não consigo, não outra vez. Não é porque tenha sido uma experiência traumática, é porque a prisão que tudo isso é tira-me toda a luz interior. Quero as minhas aventuras outra vez. Simples, fáceis, rápidas, e no entanto cheias de romance e felicidade mesmo que seja por pouco tempo. Quero uma história de amor sem amor outra vez. Não quero ter a vida organizada, ter a sensação de que tudo está onde pertence. Quero confusão, não drama. Quero um escape rápido e eficaz. Resumindo, quero simplicidade. Porque não quero, não consigo, apaixonar-me outra vez. Pelo menos nos próximos tempos, portanto prefiro divertir-me com pequenas e simples h...

O Rapaz

Os olhos verdes dele comem-me a alma. Não consigo desviar os meus, mal consigo respirar. Vejo o sorriso dele e já sei no que ele está a pensar, já sei a maneira embevecida com que devo estar a olhar para ele. Faço portanto um dos maiores esforços que já fiz e desvio o rosto, ignoro o ar de triunfo dele, afasto-me. Ele acaba por me puxar para ele, por me perguntar porque fico nervosa à beira dele, por encostar a testa à minha e por sorrir com aquele sorriso de absoluta felicidade, como se tudo estivesse certo no mundo. Eu resmungo algumas palavras carregadas de ódio, que ele desarma com uma facilidade incrível. Sinto-me irritada e digo algumas palavras que sei que o magoam. Mas só o magoam momentaneamente. Segundos depois, lá está ele a fazer-me aquele sorriso e a prender-me nos braços dele. Ele diz que me vai levar à exaustão. Que há de ser o primeiro a fazer-me frente.Que havemos de aprender muito um com o outro, que o futuro só nos reserva coisas boas. O meu estômago revolve-se, ...