Espera-me
Meu amor,
Li recentemente os murmúrios de um homem de coração partido. Nas palavras dele ouvi a tua voz e vi a tua alma e quase esperava ver também o teu rosto, procurando o meu.
Pediste-me sem me pedir que esperasse por ti, que aguardasse enquanto cavalgas por pastos noturnos e atravessas colinas cheias de terra queimada.
Disseste-me sem me dizer para esperar por ti deste lado, do lado frutífero e verde e cheio de flores, a ver o rio límpido e cristalino a passar.
E eu aqui fiquei. E olho para as flores e para o rio a passar, a tentar esquecer-me que alguma vez fui outra pessoa que não esta, que espera.
Sei que cavalgas por entre perigosos caminhos, meu amor, que as silvas te cortam as mãos, e a escuridão te faz chorar. Sei que sem mim o teu ermo percurso será doloroso e solitário.
Deste lado, apesar de o sol brilhar, o rio correr com vagar e os passarinhos chilrearem agradavelmente, na minha alma é Outono. As folhas caem e morrem e vejo no reflexo do rio uma pessoa arrepiada e cansada. Se um dia fui uma flor no seu esplendor, sou hoje uma flor murcha, amor, que aguarda o passar do tempo.
Quando estava do lado que tu agora exploras, meu amor, nas horas más de febre e ansiedade, tu eras a bênção do sol, que tantas vezes me manteve na Terra.
Agora, deste lado, do lado das pessoas felizes, penso apenas na dor que sinto quando o vento já não traz a tua voz. Parece-me que o sol me queima a pele, e que o verde da relva, vivo e frutífero, faz pouco de mim.
Lamento não ter sido para ti o que foste para mim, meu amor.
Nunca ninguém me chamará nomes tão lindos como os que saíram dos teus lábios. Ainda que alguém me venha a chamar todos esses nomes um dia, sei que farei ouvidos de mouca.
Se amor a sério só há um, eu já tive o meu, meu amor, e ele cavalga agora para longe de mim.
Deste lado, apenas fico a olhar para o rio, à espera que ele lave a minha alma.
Convenci-me de que queria que fosses apenas uma memória distante, mas mentia-me, meu amor. Olho agora para o rio, à espera que ele passe e me leve com ele, e que um dia tu voltes para me dares a mão e veres o rio passar comigo.
Ainda que aqui a natureza seja bela, meu amor, sem ti são ermos os caminhos, não há lua no céu à noite, não existem flores. Sem ti há apenas o barulho do rio, dias sem calor, noites invernosas.
Sem ti só há luto, e preto e escuridão.
E se eu sei que um dia levantarei os olhos do rio e o sol continuará a brilhar, e a relva continuará verde, sei também que ainda que eu decida sair deste lugar, amor, tu irás comigo na minha alma. Para onde eu decidir ir.
Pediste-me para esperar, meu amor, e eu disse que não.
Os nossos sonhos são agora fumo leve que me foge entre os dedos e eu não os consigo agarrar.
Não sei que futuro terei para mim, sem ti. Transformas-te o meu coração de pedra numa fonte. Antes de ti, era um mar morto, sem marés, sem vagas, sem ondas.
Eu disse que não.
E, no entanto, sei que menti. A ti e a mim.
Ainda que eu não o quisesse, não tenho escolha.
Estarei aqui quando voltares.
Esperar-te-ei. E espero que, se voltares, me esperes ainda também.
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