Sorrir e acenar

Eu costumava, há um milhão de anos, ser uma miúda insegura.
Insegura, indefesa, que precisava da aprovação dos outros. Aí a objetificação a que era sujeita parecia um elogio, porque com ela vinha a atenção de que eu tanto precisava.
Entretanto, os anos passaram. E eu tornei-me uma mulher. Com o passar dos anos, passaram também experiências, que é uma palavra que eu detesto, que me ensinaram lições sobre postura, independência e humilhação. Com o passar dos anos, eu mudei a imagem que tinha, por questões de mudança da personalidade. Eu já não era a tal miúda insegura, a minha autoestima aumentava e, consequentemente, transparecia em tudo o que me pertencia.
Comecei a prestar atenção ao que antes não prestava, perdi interesse em tudo o que antes parecia ser o importante. Aceitei que era o que era e como era, sendo o resto irrelevante.
Cresci habituada aos olhares. Pejorativos ou benéficos, se é que há tal coisa. Habituei-me a ser julgada de alto a baixo por tudo o que era e que não era. Cheguei a mudar várias vezes, a acreditar em coisas diferentes e a ser tudo e mais alguma coisa.
Quando mudei a minha vida para um sítio diferente, quando pude ser alguém diferente porque já me era permitido, porque deixava tudo para trás, tentei esquecer também tudo isso. E tentei ser invisível.
Mas não consigo. E a culpa já não é minha, porque amadureci em modos, em atos e em aspeto. A culpa já não é minha, porque limito-me a ser o que sou.
Sim, caminho os corredores verdes como se o mundo me pertencesse. O mundo pertence-me. Os olhares bons ou maus apenas o confirmam. Não, nunca agi de forma a atrair atenção. Nunca fiz cenas, fitas, nunca berrei. Mas a atenção acaba em mim à mesma, sempre que entro em qualquer lado. Aprendi a gostar, e a minha autoestima que já se tornava estável, quando me mudei para este novo mundo chegou a pontos altíssimos.
Sempre fui egocêntrica, todos o somos, afinal o nosso mundo gira à nossa volta, mas é impossível não o ser quando parece que todas as mentes também giram à nossa volta.
Há muito tempo, houve alguém que usou a palavra ''charmosa'' para me descrever. E nunca, até mudar para este mundo, havia percebido o quão certa ela está. Os olhares não se devem à minha beleza. Há espécimes de igual ou maior beleza naquele asilo. Não é por eu sacudir o cabelo e sorrir que recebo atenção. Mas alguém que caminha com a confiança que eu tenho, alguém que tem a presença que eu tenho, tem um certo magnetismo. Um certo magnetismo que terá a ver com os meus sempre ponderados movimentos e expressões faciais, com aquilo que sou e aquilo que tenho. Que leva a ódios, obviamente, mas figuras polémicas ficam mais marcadas do que figuras dóceis. O meu magnetismo é um fenómeno que eu ainda não percebi muito bem, e com o qual ainda estou a lidar. Até porque nada faço para o ter, a não ser existir.
Receber atenção é sempre fantástico, mas não a um nível de exagero. Não a um nível baixo e sem classe. Porque acima de tudo, eu sou quem sou, e a postura e o valor importam-me. E não permito que, seja por que razão for, o meu valor seja diminuído, como se eu fosse um objeto.
Isto é algo curioso, porque toda a gente é um objeto hoje em dia. Toda a gente objetifica tudo e todos, Eu incluída. Há quem se dê a objetificar, como eu o fiz há muito tempo, mas agora, que sou madura, composta e confiante, já não o permito. Mas se tenho mesmo que ser objetificada, tenha-se a noção do seguinte: eu não sou um tapete. O tapete é um belo objeto, mas banal como o diabo, diga-se antes vulgar e ordinário, e que permite que todos os pés e mais alguns lhe passe por cima. Se eu sou um objeto, se qualquer das pessoas que me pertence é um objeto, será um objeto caro, de edição limitada e raro ao ponto de só se ter a oportunidade de o alcançar uma vez na vida se se merecer.
Amadureci, tornei-me a pessoa que sou, finalmente: marcada por um excesso de autoconfiança, autoestima, amor próprio, determinação e intolerância, aguçados por uma fúria fácil, um cérebro brilhante e argumentos contundentes. Adoro o que sou, não peço desculpa por o ser. Os que compreenderem têm a oportunidade de conhecer também a minha intelectualidade e diversão, os que não compreenderem limitam-se à minha impaciência e constantes correções.
Crescer é terrível, mas amadurecer dá-nos perspetivas que pensámos nunca ter. Não deixamos de ser as mesmas pessoas, mas mais limadas e polidas. Continuo a não conseguir lidar com submissão, continuo a não suportar compromissos, continuo a não suportar esperar ou demonstrações excessivas de afeto. A diferença é que a minha reação a tudo isso é agora mais calma. Prefiro argumentar a perder a cabeça, prefiro matar com as palavras do que com as mãos.
Amadurecer é fantástico. Mas, às vezes, penso que amadureci demais para a minha idade, demais para o sítio onde vivo, demais para as pessoas que me rodeiam. Por isso não posso ficar parada no mesmo sítio. Tenho de me mudar de novo, para sítios onde eu seja considerada infantil para aí poder amadurecer mais.
Está na hora. Sei-o porque estou farta de dramas de secundário, estou farta de olhares indiscretos. Venha o futuro onde eu sempre fui feita para estar, onde usarei todo o potencial que tenho.
E os que preferem o sítio físico, psicológico e social onde estão, que fiquem onde pertencem: uns bons degraus abaixo de mim na hierarquia.

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