Dark side

Ninguém é perfeito.
Toda a gente tem um lado obscuro e tremendo, de que ninguém fala. Toda a gente já pensou em coisas indescritíveis que depois preferiu fingir que não pensou. Ninguém sabe como realmente é, ninguém sabe o que alguém é quando está sozinho. Porque nenhum de nós é só uma pessoa, tem só uma personalidade, é não capaz de fazer algo. Não sabemos. Porque nada sabemos sobre nós.
E nada sabemos sobre os outros.
Para aprendermos e para vermos o que as pessoas realmente são e para sabermos analisar e reagir, precisamos de estar ou ter estado na mesma posição que eles.
Por exemplo, para aprendermos a não nos meter em situações amorosas atrozes, precisamos de já saber com o que estamos a lidar. E, portanto, para aprendermos, precisamos de primeiro experimentar.
Disseram-me, há algum tempo, que nos devíamos apaixonar pelo menos três vezes na nossa vida: por uma pessoa que seja como nós, por uma pessoa que considerássemos perfeita e por alguém que nos oprimisse e reprimisse.
Apaixonarmo-nos por alguém que seja o nosso reflexo parece bom. Afinal, quando imaginamos o ''homem/mulher ideal'' imaginamos alguém com uma personalidade próxima da nossa. Passamos relações inteiras à procura de pontos em comum. É isso que procuramos, alguém que saiba todas as nossas necessidades porque são as mesmas que as deles.
Infelizmente, apaixonarmo-nos por alguém com a nossa personalidade não é o conto de fadas. Acabamos por descobrir traços nossos que não conhecíamos, acabamos por ter que defrontar a realidade: não somos perfeitos. Não somos perfeitos, porque aquela pessoa, com a mesma personalidade e olho crítico que nós, vai encontrar os nossos defeitos. E descobriremos que não somos quem pensamos ser. Por exemplo, temos uma personalidade forte, vincada e dominante. E talvez descubramos que, em frente a outra personalidade forte, vincada e dominante, a nossa submete-se e verga-se. Não somos a pessoa que somos e todo o nosso escuro, apagado e esquecido interior sai.
Somos humanos, somos mortais, somos imperfeitos e os nossos defeitos, vistos noutra pessoa, não são qualidades, são maldições. Todos precisamos de defrontar esta realidade. Para que nos seja mais fácil perceber quem realmente somos, o quão exaustivos, irritantes e impossíveis somos. Para que limitemos a nossa personalidade, a controlemos e a adaptemos ao adequado.
Apaixonarmo-nos por alguém que nos reprime e oprime é fascinante. Aprendemos como reagimos: se invocamos os nossos direitos e nos afastamos, se nos tornamos frustrados e violentos, se nos deixamos sujeitar a tudo e mais alguma coisa.
E, por fim, a mais controversa e aquela que me é mais familiar: apaixonarmo-nos por alguém que achamos ser perfeito. Limito-me a dizer que isto é útil porque aprendemos que ninguém é perfeito e que aquela pessoa, que era um herói, um santo aos nossos olhos, é um mero humano pecador, tal como nós, e que nós em comparação nunca fomos más pessoas, fomos apenas honestas no que tocava aos nossos defeitos.
Mais situações úteis para a nossa aprendizagem serão: apaixonarmo-nos por alguém que não está interessado - aprendemos que não somos invencíveis nem ao gosto de toda a gente -, apaixonarmo-nos por alguém que não está preparado para nós, e apaixonarmo-nos por alguém para o qual não estamos preparados: aprendemos o que podemos ou não dar e receber, aprendemos o real valor da nossa juventude.
Muitas mais haverá, de certeza. E cada uma é atroz, ridícula, patética e cheia de incompreendidos e vítimas. Cada uma é irrelevante, e cada uma não importa no todo enorme da vida. Mas não deixam de ser boas aprendizagens que nos mostram o que realmente é importante na pessoa que temos ao nosso lado por breves momentos. O seu lado mais escuro.

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