Condolências

O movimento violento fê-la levantar-se. Continuou a desferir o punho no ar, como se lhe fosse dar alguma solução, como se a fosse confortar.
Mas não estava a ajudar. E, com o suor a misturar-se com as lágrimas, os olhos enlouquecidos de dor e desespero, sabia que não podia parar. Estava presa. E, nessa prisão, perdera os melhores anos da sua vida.
A cama continuava revolta, o som do silêncio pesava na casa enorme. O único som era o da respiração ofegante dela, que finalmente parara de esmurrar o ar e caíra sem ruído no chão, dobrando-se sobre si própria, num choro que a sufocava. Não conseguia mais. Estava presa, exausta, desgastada a um ponto tão precoce.
O enorme cabelo liso dela tapava-lhe o rosto. Não se atrevia a ligar a luz, não se atrevia a ver-se ao espelho. Sabia o aspeto que tinha: o aspeto de quem quer morrer. E não se queria ver assim. Sabia quem era, e não era do género de pessoas que se deixa morrer. Não era do género de pessoa que se perdia numa relação. Era do género pessoa que mantinha os seus olhos no futuro, na sua escola, carreira e vida em diante. Um namoro de liceu afetava-a, mas não o suficiente para a quebrar. E, no entanto, ali estava ela, quebrada e fraca. Como na verdade sempre o fora. Só que não se apercebera. Não se apercebera da codependência em que entrara. Não se apercebera de que a sua doce personalidade de pura menina se tinha tornado dura com as discussões, se tinha aguçado, se tinha apagado.
Apagara-se por ele. E isso era tão triste e patético que nem queria acreditar. Não era aquela pessoa.
E, no entanto, ali estava. A sufocar na escuridão da noite. Porque se sentia completa e indubitavelmente presa. Sem saída. Presa a um rapazinho, presa à vida e amigos dele. Desperdiçara os melhores anos da sua vida. E esses nunca voltariam.
Ela amara-o, há muito tempo. Mas já não o amava. Ou, aliás, já não o amava como as pessoas da nossa idade se deviam amar: doidamente, cegamente e com paixão. Eles limitavam-se a viver uma rotina em que nenhum dos dois queria viver. Mas ela amava-o. Não amava?... Talvez já não soubesse o que era amor. Talvez amor realmente não fosse aquela sensação confortável, a sensação de dependência. Talvez amor devesse ser explosivo.
Já não o era. De todo. Nunca mais o seria.
E ela estava presa a tudo isso: a um amor que já não existia, a um rapaz que já não era o rapaz por quem ela se apaixonara, a uma idade demasiado nova, que não lhe servia e a um resto de vida de arrependimento por não ter feito, dito e sido.
''Parabéns''. ''Parabéns?'' Dever-se-ia era dar-lhe as condolências pela alma destruída e pela impossibilidade de voltar a ser um eu sozinha.
Ela perdera-se. Só Deus sabia se ela podia voltar a encontrar-se.

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