Cemitérios
O meu cabelo abanava muito suavemente com a brisa gradualmente mais fria. Mas os meus olhos não reparavam. Estavam perdidos nas colinas verdes e desertas que se espalhavam na minha vista. E, por uns meros segundos, esqueci-me da inconveniência daquele dia. Esqueci-me de onde estava e de todas as razões pelas quais detesto aquela terra perdida no meio do fim do distrito a que eu chamo meu.
Tentava ouvir o que me rodeava. O maravilhoso som do silêncio, como lhe chamava o meu pai. O som da absoluta paz, onde eu sinto que finalmente pertencia. E, ali, onde os meus ouvidos ouviam o som que foram feitos para ouvir, pareceram-me ainda mais fúteis as palavras. Falamos demais.
Esquecera-me do quanto gostava de ouvir, pela simples razão de também gostar de ouvir a minha própria voz. A minha não melodiosa mas rude voz, que sempre tinha muito para dizer. Mas, às vezes, sentia a extrema falta do silêncio. O silêncio das noites de inverno. Da minha felicidade que transborda de festividades, de descanso, de paz. Do silêncio de que eu me lembro, aquele em que eu estava demasiado encantada para falar, para cantar. Aquele em que o som das árvores a abanar, da chuva a bater nos tetos e das respirações era a melhor música alguma vez feita.
Ou, então, aquele em que eu estava mergulhada de uma melancolia tão grande que me enchia de felicidade. Porque estava cheia de algo, porque era uma melancolia doce, daquelas que me faziam imaginar o meu futuro, e todos os momentos doces que hão de viver na minha vida. Era um silêncio irónico, em que a minha tristeza me embalava até eu adormecer da forma mais pesada e esgotada de todas.
Mas, entretanto, nunca mais tive direito a silêncio. O único silêncio deu-se na minha mente. A minha vida encheu-se de barulhos insuportáveis, palavras que eu achei não conseguir ouvir, palavras que eu achei nunca dizer. Dei por mim a desejar essa paz que tive há tanto tempo, a paz da tristeza, ou a paz do silêncio encantado. A paz de não ter que me preocupar com o que me rodeia, de saber o que sou e onde estou e tudo o resto ser tão ridiculamente irrelevante que a minha mente já não vê. Estou farta desta raiva que se apegou a mim como se me pertencesse. Nunca fui dada a ódio ou amargura e ando carregada de ambos, por razão nenhuma. E talvez estivesse na altura de falar menos e de sorrir mais. Já sei que nunca serei alegre, mas sempre feliz. Talvez esteja na altura de ser menos não alegre. Mesmo que nunca seja chilreante e radiante.
Uma brisa mais forte fez os meus cabelos agora quase negros balançar. E eu voltei àquelas colinas perdidas no meio do nada onde eu podia passar a eternidade a ouvir o silêncio.
Fitei o que me rodeava. O mar de campas de mármore e de pedra rodeava-me com simplicidade mas com presença. Muitas delas talvez partilhassem o meu sangue, de alguma forma. No entanto, não era por elas que eu ali estava e sim por uma gaveta. Uma gaveta que contivera o homem que emanava frio, com os olhos mais doentiamente azuis que eu já vira, olhos que o meu amado pai partilhava, o homem que eu já conhecera velho e cansado e que vi morrer da mesma maneira.
Mais tarde, abandonei as colinas verdes e dirigi-me à terra onde o sangue que me corria nas veias era de realeza, de alguma forma distorcida. Fui visitar a maior história de amor que já conhecera, em que a bela princesa foge com o não pobre mas indigno futuro político, mas presente taxista. É deserdada do seu nome e herança, mas casa-se com ele na mesma, mesmo sabendo o seu histórico de mau rapaz, mesmo sendo ela uma jovem donzela, com classe e educação. Esse homem, aparentemente, era o ser humano mais parecido comigo possível. Perdera a mãe dele quando era novo, e odiara o pai por se casar de novo, e perdera-se na má vida. Mas não é por isso que somos semelhantes. Somos semelhantes pela presença que ele tinha na vida, pela arrogância, pela paixão que nos vibrava nas veias, pela natureza resmungona e pela mania de corrigir os que nos rodeiam. E esse homem, com um coração escurecido pelo desgosto e pela raiva e pelo pecado, apaixonou-se estrondosamente. Ao ponto de, após mais de 50 anos de casamento, ainda enviar à princesa de sangue azul um milhão de cartas de amor. Ao ponto de o nome dela ser o seu último suspiro, após 2 anos sem ela.
Não acredito em ''amor verdadeiro'', meus caros, mas acredito que há pessoas que se ligam e não se desligam. E, ao fitar as campas unidas dessa história de ''amor'', enquanto o crepúsculo se instalava, sorria. O sangue que me corria nas veias era tanto do homem charmoso e arrogante como da mulher resmungona e impressionantemente bela.
Eu nasci numa família grande e pequena, espalhada e nuclear, em que o romantismo está por todo o lado, de uma forma fria ou dramática. Daí que seja tão apaixonada quanto fria, tão irritável quanto calma. Sou o produto de amor e de frieza. E ambos me amaram e me protegeram.
Foi-me fácil lembrar-me de tudo isso quando fitava as belas terras e as belas campas. Eu não estaria em nenhuma das duas, um dia. Estaria na terra onde cresci. Onde a minha infância foi cheia e perfeita. Onde eu fui doidamente feliz, doida e descuidada.
Tentava ouvir o que me rodeava. O maravilhoso som do silêncio, como lhe chamava o meu pai. O som da absoluta paz, onde eu sinto que finalmente pertencia. E, ali, onde os meus ouvidos ouviam o som que foram feitos para ouvir, pareceram-me ainda mais fúteis as palavras. Falamos demais.
Esquecera-me do quanto gostava de ouvir, pela simples razão de também gostar de ouvir a minha própria voz. A minha não melodiosa mas rude voz, que sempre tinha muito para dizer. Mas, às vezes, sentia a extrema falta do silêncio. O silêncio das noites de inverno. Da minha felicidade que transborda de festividades, de descanso, de paz. Do silêncio de que eu me lembro, aquele em que eu estava demasiado encantada para falar, para cantar. Aquele em que o som das árvores a abanar, da chuva a bater nos tetos e das respirações era a melhor música alguma vez feita.
Ou, então, aquele em que eu estava mergulhada de uma melancolia tão grande que me enchia de felicidade. Porque estava cheia de algo, porque era uma melancolia doce, daquelas que me faziam imaginar o meu futuro, e todos os momentos doces que hão de viver na minha vida. Era um silêncio irónico, em que a minha tristeza me embalava até eu adormecer da forma mais pesada e esgotada de todas.
Mas, entretanto, nunca mais tive direito a silêncio. O único silêncio deu-se na minha mente. A minha vida encheu-se de barulhos insuportáveis, palavras que eu achei não conseguir ouvir, palavras que eu achei nunca dizer. Dei por mim a desejar essa paz que tive há tanto tempo, a paz da tristeza, ou a paz do silêncio encantado. A paz de não ter que me preocupar com o que me rodeia, de saber o que sou e onde estou e tudo o resto ser tão ridiculamente irrelevante que a minha mente já não vê. Estou farta desta raiva que se apegou a mim como se me pertencesse. Nunca fui dada a ódio ou amargura e ando carregada de ambos, por razão nenhuma. E talvez estivesse na altura de falar menos e de sorrir mais. Já sei que nunca serei alegre, mas sempre feliz. Talvez esteja na altura de ser menos não alegre. Mesmo que nunca seja chilreante e radiante.
Uma brisa mais forte fez os meus cabelos agora quase negros balançar. E eu voltei àquelas colinas perdidas no meio do nada onde eu podia passar a eternidade a ouvir o silêncio.
Fitei o que me rodeava. O mar de campas de mármore e de pedra rodeava-me com simplicidade mas com presença. Muitas delas talvez partilhassem o meu sangue, de alguma forma. No entanto, não era por elas que eu ali estava e sim por uma gaveta. Uma gaveta que contivera o homem que emanava frio, com os olhos mais doentiamente azuis que eu já vira, olhos que o meu amado pai partilhava, o homem que eu já conhecera velho e cansado e que vi morrer da mesma maneira.
Mais tarde, abandonei as colinas verdes e dirigi-me à terra onde o sangue que me corria nas veias era de realeza, de alguma forma distorcida. Fui visitar a maior história de amor que já conhecera, em que a bela princesa foge com o não pobre mas indigno futuro político, mas presente taxista. É deserdada do seu nome e herança, mas casa-se com ele na mesma, mesmo sabendo o seu histórico de mau rapaz, mesmo sendo ela uma jovem donzela, com classe e educação. Esse homem, aparentemente, era o ser humano mais parecido comigo possível. Perdera a mãe dele quando era novo, e odiara o pai por se casar de novo, e perdera-se na má vida. Mas não é por isso que somos semelhantes. Somos semelhantes pela presença que ele tinha na vida, pela arrogância, pela paixão que nos vibrava nas veias, pela natureza resmungona e pela mania de corrigir os que nos rodeiam. E esse homem, com um coração escurecido pelo desgosto e pela raiva e pelo pecado, apaixonou-se estrondosamente. Ao ponto de, após mais de 50 anos de casamento, ainda enviar à princesa de sangue azul um milhão de cartas de amor. Ao ponto de o nome dela ser o seu último suspiro, após 2 anos sem ela.
Não acredito em ''amor verdadeiro'', meus caros, mas acredito que há pessoas que se ligam e não se desligam. E, ao fitar as campas unidas dessa história de ''amor'', enquanto o crepúsculo se instalava, sorria. O sangue que me corria nas veias era tanto do homem charmoso e arrogante como da mulher resmungona e impressionantemente bela.
Eu nasci numa família grande e pequena, espalhada e nuclear, em que o romantismo está por todo o lado, de uma forma fria ou dramática. Daí que seja tão apaixonada quanto fria, tão irritável quanto calma. Sou o produto de amor e de frieza. E ambos me amaram e me protegeram.
Foi-me fácil lembrar-me de tudo isso quando fitava as belas terras e as belas campas. Eu não estaria em nenhuma das duas, um dia. Estaria na terra onde cresci. Onde a minha infância foi cheia e perfeita. Onde eu fui doidamente feliz, doida e descuidada.
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