Sei Lá

Tenho dificuldade em lidar comigo mesma. 
Tenho dificuldade em fazer a manutenção da minha saúde física e mental, em me lembrar de que preciso de fazer essa manutenção. Tenho dificuldade em me lembrar que estes corpo e mente mortal precisam de ser lidados com cuidado.
Tenho dificuldades em catalogar a minha personalidade, em controlá-la, em moldá-la. Tenho dificuldades em decidir o que gosto e não gosto perentoriamente. Tudo para mim é definitivo, mas passado pouco tempo pára de o ser. Mudo de ideias com uma facilidade esplendorosa. E uso esse adjetivo com uma conotação positiva tão ironicamente como não ironicamente. Não me consigo decidir se estou realmente a ser irónica ou não.
Tenho uma personalidade marcada, irreversível, forte ao ponto de engolir e detestar facilmente aqueles que têm personalidades fracas. Nunca fui de ''ir com a corrente'', ou fingir ser algo que não sou - mesmo que o quisesse fazer, não o conseguiria, o meu nível de desajuste social não me permitiria -, ou sorrir quando estou chateada. Essa personalidade, apesar de forte, é um borrão, um rascunho. Pode ser demarcada, mas não é concreta. As minhas opiniões são fortes, os meus argumentos incisivos, a minha voz decidida, mas não são mesmo as minhas opiniões. São-no num dia e não o são no outro. Acredito que isso se deve à minha juventude. Culpo tudo na minha juventude. Talvez porque na realidade não me sinta assim tão jovem e pensar na minha juventude é entrar numa luta permanente comigo própria.
Sou feliz, mas não sou alegre. Demarque-se a diferença: sou feliz porque sou abençoada, tenho um teto, comida suficiente para alimentar um elefante, pais presentes e extremamente atenciosos - até demais - uma família que me preenche, alguns amigos, muito poucos complexos com o meu corpo e aspeto em geral, autoconfiança, autoafirmação, personalidade para dar e vender, algumas causas a defender, boas notas, alguma liberdade - ''a liberdade aumenta em proporção do génio'' -, objetivos na vida, e um caminho seguro e marcado para percorrer. Mas não sou alegre. Descobri há muito tempo que todas as pessoas com um tanque de inteligência e uma alma profunda nunca vão ser alegres. Isto porque os comuns mortais aceitam o que lhes aparece no caminho e, conquanto que sejam felizes, serão alegres. No entanto, nós, os mortais incomuns, temos o problema de nunca ser suficiente. Não aceitamos o banal, o convencional, o fácil. Isso nunca é suficiente.
Talvez seja essa a razão pela qual detesto adolescentes. Posso ser da mesma espécie deles, mas não somos iguais. Se temos as mesmas hormonas doidas? Oh, sem dúvida. Mas que a minha mente nunca seja comparada à deles. Não ajo irracionalmente. Ou, pelo menos, não hajo irracionalmente quando as minhas hormonas estão calmas.
Tal, como já disse, este meu pote enorme de personalidade é um problema. É um problema porque me distingue demasiado da multidão - não me interpretem mal, adoro ser diferente desses idiotas, mas não assim tão diferente -, porque faz de mim um ser pouco adorável, porque não é uma personalidade concreta. Ao contrário dos meus caros colegas de classe etária, eu tenho a noção de que o que sinto, penso, digo, está limitado no tempo e no espaço. Não serei assim dentro de uns anos, não direi, sentirei, pensarei o mesmo. Por muito que eu gostasse que assim fosse. Sei que a minha personalidade é gasosa por agora. Daí que mude tanto de ideias. Tornar-se-à sólida, algum dia. Ou talvez não. Talvez ter uma personalidade gasosa seja outro traço da minha inconstante e efervescente personalidade.
Quanto a ser um ser pouco adorável, é-me agridoce. Se há uma parte de mim que gostava de poder ser uma adolescente normal, que se apaixona com a facilidade de um estalar de dedos, que faz amigos com outro estalar de dedos e cujas únicas preocupações são encontrar aquele(s) a quem sussurrarei promessas ridículas, ser estupidificada pelo álcool e/ou tabaco, e perder-se nesta bola de imenso fogo que é a juventude? Claro. (Credo, como estou assustada por ter acabado de descrever todas as pessoas que conheço.) Claro. Mas prefiro ter esta personalidade, estes limites e fronteiras, estas peculiaridades. Prefiro ser polémica. Sei que o sou sem o pedir, e é uma sensação tão deliciosa como catastrófica. Agridoce.
Mas estamos a passar para um campo que me é irrelevante. Tal como eu estava a dizer: tenho dificuldades em lidar comigo mesma, em medir as minhas reações, em prever os meus disparates. Odeio mudar de ideias, mas gosto. Há muito poucas coisas na minha mente que são sólidas, mas as que o são, são monstruosamente sólidas.
Por exemplo, qual era a ideia deste texto? Não faço ideia. Talvez apenas manter-vos atualizados, talvez apenas ventilar a minha mente, talvez apenas para eu ter a certeza de que a minha cabeça ainda funciona. Ando demasiado estagnada intelectualmente e fisicamente e isso dá comigo em doida. Afinal, a minha mente e o meu corpo precisam de manutenção permanente.

 

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