Os Clintons

Ele pega-me na mão através da mesa. A maneira como envolve a minha é suave e delicada, dobrando-a com um mero toque de dedos. O gesto era distraído, despropositado, demonstrando uma afeição acostumada, habitual e leve. Sorri-lhe levemente, devolvendo o leve aperto de dedos.
As pessoas à nossa volta fitavam-nos com curiosidade disfarçada. Talvez porque somos jovens, talvez porque somos atraentes. Mas principalmente porque vivíamos um belo romance sofisticado, objetivo, sorridente, leve e de uma perfeição incrível.
Ambos brilhamos sofisticação. O meu longo e liso cabelo sorri brilho, a minha confortável mas arranjada roupa assenta-me como uma luva. O cabelo dele está sempre perfeito, os olhos verdes dele têm sempre o mesmo brilho, e a roupa dele, escolhida sempre por mim, torna-o ainda mais largo, ainda maior, ainda mais adulto.
Os lábios dele movem-se enquanto ele discute um qualquer assunto sobre o qual eu não tenho qualquer interesse, mas eu não o ouço. Nunca fui uma boa ouvinte. Mentira, já o fui, quando não gostava tanto de falar, ou do silêncio, ou de simplesmente observar. E era isso que eu fazia, enquanto ele me dava os resultados de um jogo qualquer, que para mim era do mais obsoleto de sempre. Fitava-o com atenção, com curiosidade. Sabia a expressão que a minha cara fazia. Era de interesse, de carinho. Como se o resto do mundo se tivesse fundido nele. Sabia que essa expressão me era habitual. E sentia, de cada vez que fazia essa expressão, que estava a representar um papel e que era a melhor atriz do mundo.
Ele finalmente calou-se. A mão dele tocou-me no rosto, os olhos deles devolviam a minha expressão de adoração. Às vezes pergunto-me se a dele também é uma representação inconsciente. A resposta que me assola a mente com violência e irracionalmente é: ''NÃO!''. Mas eu sei que estou a ser ingénua. Havia que me lembrar que já vi essa expressão noutros rostos. E desapareceu tão depressa quanto apareceu. No entanto, a dele nunca tinha desaparecido.
Abri o meu sorriso. Esta relação é aquilo porque eu sempre procurei. Podemos passar horas a falar, estou o mais confortável possível, discutimos como se não houvesse amanhã, damo-nos lindamente, divertimo-nos juntos, e ele adora-me. Ele adora-me irracionalmente. E ele é tudo o que eu procurei, mas da forma mais racional possível.
É tudo tão maravilhosamente harmonioso e superficial. Não estou muito investida, portanto, quando tudo correr mal, posso rapidamente retirar o pouco de mim que investi. Posso vangloriar-me, ao meu namorado de olhos bonitos (sim, quase cuspi a palavra ''namorado''), e à minha relação suave, enquanto todos os outros, já irrelevantes por natureza, se tornam lixo.
O pensamento animou-me. Levantei-me ligeiramente e dei-lhe um beijo no rosto, ao que ele respondeu com um meio sorriso.
Pouco depois, os olhos bonitos dele voltaram à televisão, e os meus voltaram a ele. As pessoas ainda nos fitavam com curiosidade. Continuávamos belos, perfumados e na versão mais leve de apaixonados que se pode encontrar.
Uma vez descobri a designação perfeita para nós. Lembrei-me de Hillary Clinton e o seu idiótico marido, o ex presidente dos EUA, Bill Clinton. Lembrei-me de como, após as contínuas traições por parte do elemento masculino, eles se mantiveram casados, mas que era de conhecimento geral que o seu casamento era para mera publicidade político. ''Political marriage'', era o termo. Ao início pareceram-me palavras atrozes, mas a verdade é que são maravilhosas. São maravilhosas porque não são, nem podem ser, tão superficiais como parecem, tão ocas como parecem. Há uma grande quantidade de amor num ''political marriage''. Amor à relação, amor aos atos, palavras e hábitos do outro. Até amor ao outro, numa quantidade limitada. Mas a verdade inevitável é, que as coisas não são ''desarrumadas'' como são noutras relações. As nossas hormonas/emoções não nos atrapalham. Não há ciúmes ou sentimentos avassaladores ou controlos. É tudo claro como a água, honesto, simpático.
Resume-se tudo, no meu sorriso de felicidade e nos olhos perdidos de adoração dele. E quem não compreender essa minha necessidade, a necessidade de ter quem me ocupe o tempo e a mente, mas não o coração, então é ou está demasiado cego pelas hormonas da juventude.

Comentários

Mensagens populares deste blogue

O Animal

O ciclo sem fim

A ironia da indiferença