Apocalipse
As cores e os sons eram só meros borrões que caíam num espaço infindo. Tudo estava apagado dentro de mim, só existia o exterior. O exterior que me mostrava os olhares que dirigiam a uma rapariga bonita, de passos já trôpegos, de olhos já meio fechados e de mente perdida.
O exterior mostrava-me também imagens que me desfaziam, que me massacravam. E o álcool ajudara a combater essa sensação de desatino, de absoluta perdição que me começava a queimar o peito.
Era uma sensação familiar. Familiarmente dolorosa, por muito que me custasse a relembrar-me, por muito que tivesse guardado essas imagens na gaveta mais negra e longínqua do meu cérebro. Mas o meu cérebro estava agora desarrumado e essas imagens saltavam-me aos olhos sempre que podiam.
Lancei-me numa fúria cega e rancorosa, uma fúria lúcida, por muito ébria que eu já estivesse. Chamo-lhe fúria lúcida porque pela primeira vez tive a reação de uma pessoa normal, a reação esperada, a reação que eu devia ter tido há bem mais de um ano. Em vez de ter caído na auto-destruição, em vez de ter perdoado de imediato. Enfureci-me. Finalmente.
Mas, mais importante do que me ter enfurecido, lembrei-me de tudo o que acontecera, o que me levou a finalmente e decididamente escolher um fim abrupto e completo. Recuso-me a acreditar nos clichés, recuso-me a aceitar que será assim para sempre. Não tenho tempo ou paciência para alimentar algo que não vai a lado nenhum porque não deve ir a lado nenhum, porque não pode ir a lado nenhum e porque há muito que me faltam (e não só a mim) os componentes para ir a lado algum.
Além disso, não me traria paz. Eu atingi a paz há muito tempo, com alguns episódios de retorno da tempestade, dados a vulnerabilidades súbitas. E este episódio de retorno da tempestade acabou aqui. Não posso esperar ser curada pela pessoa que me avariou. A pessoa que incitou um ciclo sem fim na minha vida de desilusões e de descrença. A pessoa que me gastou até à última, e que, de cada vez que eu me recupero, volta para me gastar de novo.
É verdade, estou cansada. Estou exausta. Continuar com esta farsa cansa-me, bem como tentar vezes e vezes sem conta. Não consigo mais, não posso mais. Desisto.
Desisto não só desta história, mas como de todas as histórias que poderiam vir. Não aguentaria ser mais usada, mais desiludida.
Desisto da ideia de que, talvez, quando fôssemos mais velhos e maduros, já funcionaríamos. Mas já somos mais velhos e maduros. Passaram dois anos. E ele continua a ser veneno para o meu coração e o caos para os meus pensamentos.
Mas deixará de o ser. O objetivo de tudo isto é mesmo esse. Decidir que foi o fim. É fácil que assim seja. Afinal, longe da vista, longe do coração.
Mesmo que não seja o fim, mesmo que o meu coração ingénuo e devoto, que contrasta com a minha afiada mente racional e cética, não consiga convencer-se de que é o fim, de que alguma vez haverá o fim, enterrarei o assunto. Sempre fui fantástica a ocupar a minha mente de tal maneira, que tudo o resto acaba por se enterrar nas profundidades.
Esta história é já um enorme campo de batalha, um enorme Apocalipse. As tropas já pereceram, já tudo é só cheiro a queimado e a morte, a cansaço e a derrota. Já não há razão para ali ficar. Somos ambos apenas tropas derrotadas, apenas invólucros, que não contém a pessoa que éramos quando tudo funcionava.
E eu saí indubitavelmente derrotada.
Mas já nem isso importa. Não me importo de ter saído derrotada, humilhada e destroçada, de nunca mais voltar a outra batalha, de nunca mais acreditar no propósito das batalhas, de nenhuma batalha se comparar àquela.
Já só quero esquecer essa batalha, apagá-la da História. Desistir da vida de guerreira e conseguir, pela primeira vez em muito mas mesmo muito tempo, dormir, respirar, comer e viver, sem que essa batalha esteja direta ou indiretamente a limitar-me, a impedir-me, a relembrar-me.
O exterior mostrava-me também imagens que me desfaziam, que me massacravam. E o álcool ajudara a combater essa sensação de desatino, de absoluta perdição que me começava a queimar o peito.
Era uma sensação familiar. Familiarmente dolorosa, por muito que me custasse a relembrar-me, por muito que tivesse guardado essas imagens na gaveta mais negra e longínqua do meu cérebro. Mas o meu cérebro estava agora desarrumado e essas imagens saltavam-me aos olhos sempre que podiam.
Lancei-me numa fúria cega e rancorosa, uma fúria lúcida, por muito ébria que eu já estivesse. Chamo-lhe fúria lúcida porque pela primeira vez tive a reação de uma pessoa normal, a reação esperada, a reação que eu devia ter tido há bem mais de um ano. Em vez de ter caído na auto-destruição, em vez de ter perdoado de imediato. Enfureci-me. Finalmente.
Mas, mais importante do que me ter enfurecido, lembrei-me de tudo o que acontecera, o que me levou a finalmente e decididamente escolher um fim abrupto e completo. Recuso-me a acreditar nos clichés, recuso-me a aceitar que será assim para sempre. Não tenho tempo ou paciência para alimentar algo que não vai a lado nenhum porque não deve ir a lado nenhum, porque não pode ir a lado nenhum e porque há muito que me faltam (e não só a mim) os componentes para ir a lado algum.
Além disso, não me traria paz. Eu atingi a paz há muito tempo, com alguns episódios de retorno da tempestade, dados a vulnerabilidades súbitas. E este episódio de retorno da tempestade acabou aqui. Não posso esperar ser curada pela pessoa que me avariou. A pessoa que incitou um ciclo sem fim na minha vida de desilusões e de descrença. A pessoa que me gastou até à última, e que, de cada vez que eu me recupero, volta para me gastar de novo.
É verdade, estou cansada. Estou exausta. Continuar com esta farsa cansa-me, bem como tentar vezes e vezes sem conta. Não consigo mais, não posso mais. Desisto.
Desisto não só desta história, mas como de todas as histórias que poderiam vir. Não aguentaria ser mais usada, mais desiludida.
Desisto da ideia de que, talvez, quando fôssemos mais velhos e maduros, já funcionaríamos. Mas já somos mais velhos e maduros. Passaram dois anos. E ele continua a ser veneno para o meu coração e o caos para os meus pensamentos.
Mas deixará de o ser. O objetivo de tudo isto é mesmo esse. Decidir que foi o fim. É fácil que assim seja. Afinal, longe da vista, longe do coração.
Mesmo que não seja o fim, mesmo que o meu coração ingénuo e devoto, que contrasta com a minha afiada mente racional e cética, não consiga convencer-se de que é o fim, de que alguma vez haverá o fim, enterrarei o assunto. Sempre fui fantástica a ocupar a minha mente de tal maneira, que tudo o resto acaba por se enterrar nas profundidades.
Esta história é já um enorme campo de batalha, um enorme Apocalipse. As tropas já pereceram, já tudo é só cheiro a queimado e a morte, a cansaço e a derrota. Já não há razão para ali ficar. Somos ambos apenas tropas derrotadas, apenas invólucros, que não contém a pessoa que éramos quando tudo funcionava.
E eu saí indubitavelmente derrotada.
Mas já nem isso importa. Não me importo de ter saído derrotada, humilhada e destroçada, de nunca mais voltar a outra batalha, de nunca mais acreditar no propósito das batalhas, de nenhuma batalha se comparar àquela.
Já só quero esquecer essa batalha, apagá-la da História. Desistir da vida de guerreira e conseguir, pela primeira vez em muito mas mesmo muito tempo, dormir, respirar, comer e viver, sem que essa batalha esteja direta ou indiretamente a limitar-me, a impedir-me, a relembrar-me.
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