''E a vida não vai parar, vai com o vento, tens tudo a dar não percas tempo...''

A vida anda lenta e sorridente. A minha mente usufrui de nada que não seja calma, entusiasmo, felicidade. Nem o tédio me ataca o que seria de esperar nas vidas desinteressantes.
Tenho, finalmente, tempo. Não tempo físico, concreto, mas tempo mental, para descansar, para absorver, para finalmente completar todos os meus projetos, para planear todo o meu futuro, para fugir para outras dimensões, outros planetas.
Algo mudou em mim. Algo que eu nunca esperei que fosse mudar, algo que, a certa altura, ansiei para que nunca mudasse. Não sinto só o fim das ruas da amargura, mas também o fim de um eu resignado, de um eu irritável e imperdoável. Aceito e respeito tudo aquilo que nunca consegui aceitar ou respeitar. Aceito todos os erros do universo, aceito as barbaridades que acontecem no mundo, aceito toda a opressão que se espalha. Aceito que eu, sozinha, nunca conseguirei fazer nada para o mundo mudar, para se tornar perfeito, invencível, bem direcionado, dotado de liberdades e igualdades intemporais. Portanto, decidi-me a viver a minha vida dessa forma bem direcionada, invencível e perfeita, como queria que o mundo fosse. Decidi-me a viver no limite entre as convenções sociais e aquilo que eu acho ser correto. Achar um consenso, perder a radicalidade. Viver de forma mais conciliadora, mas nunca mais conservadora.
Decidi-me a viver num mundo em que a inteligência brilha, em que não existem mais do que conversas de horas cheias de intelectualidade, racionalidade, opiniões, de humores e personalidades brilhantes e inovadoras. Decidi-me a entregar-me àquilo que adoro e deixá-lo absorver-me enquanto posso, com tempo e vagar. Decidi-me a viver um milhão de histórias de amor leves, satisfatórias e felizes, sem as hormonas, sem a paixão, sem o ciúme ou a inveja ou qualquer sentimento negativo que o ser humano possa produzir.
Decidi-me a ler mil livros, a ouvir milhões de músicas novas, a comprar tudo o que satisfaça esta minha nova personalidade zen. 
Não me interpretem mal, a pessoa que eu era não morreu por absoluto. A pessoa irritada, mal humorada, mal intencionada, que não aceitava qualquer tipo de argumento sensível ou emocional, que eu era não morreu. Está bem dentro de mim. A diferença é que decidi inová-la, torná-la um pouco mais agradecida, um pouco mais feliz, um pouco mais brilhante, um pouco mais satisfeita e infinitamente mais nova. A diferença entre esta nova eu e a ''sempre eu'' é que esta última era uma velha rabugenta, que odiava tudo o que pertencesse à sua idade, aos da sua idade. Agora, quero tudo o que com essa idade advém. Quero as prerrogativas, quero os olhos brilhantes, quero a minha juventude. Nasci demasiado velha, demasiado intolerante, demasiado encontrada. Bem, agora quero-me perder, se possível para sempre. Quero que o tempo abrande por um bocadinho e que me deixe aproveitar os últimos suspiros da minha infância antes que, daqui a menos de dois anos, mais precisamente daqui a 1 ano, 4 meses e 6 dias, ela ceda e termine, pelo menos pelo que é previsto na lei.
Gostava de poder ter a idade que tenho para sempre, mas visto que isso não é possível, anseio que este ano nunca acabe, que dure infinita e completamente.
Assim estou eu, decidida à minha vida de excelência e de felicidade, de muitos dias brilhantes, para sempre, até que os meus olhos se fechem.

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