Textos Soltos - I
Era um dia cinzento. As nuvens negras eram uma ameaça constante e silenciosa. Apesar da multidão, havia um silêncio comum que se propagava, como se de luto ou contemplação.
Daquele ponto de vista, aquela pequena terra parecia um Reino Encantado que havia ruído e que passara a ser uma prisão parada no tempo, irrefutável, amovível. Parecia que tudo era visto por um espectro velho e abandonado.
O vento fez o cabelo dela dançar. A mente dela estava muito longe de toda aquela parafernália de tons mortos e de Reinos Perdidos. Estava muito longe de qualquer realidade paralela irrelevante ou de qualquer incessante fantasia. A mente dela estava muito longe dali, daquela prisão multifacetada em que ela passava os dias.
O semáforo finalmente ficou verde. E a multidão começou a atravessar a passadeira mecanicamente, rotineiramente. Ela perguntou-se se aquelas pessoas que caminhavam ao lado dela não se importavam de ser comandadas por uma máquina que emitia cores, se não se importavam de dar os mesmos passos e fazer a mesma coisa todos os dias. Os seres humanos eram assim, pequenas máquinas que se limitavam a fazer o que lhes mandavam, comandados pela sociedade e pelas suas regras, pelas leis e por outros seres humanos. Autoproclamavam-se de ''seres livres'', mas ninguém é livre. Ninguém é, mesmo, livre de fazer o que bem entender. A sociedade diz-nos que temos de ir à escola, que temos de estudar, de ter um emprego, de fazer alguma coisa com a nossa vida. E por muito que ela o quisesse fazer, que quisesse acabar por ser e fazer alguma coisa, ela não conseguia ignorar o sentimento de angústia de cão doméstico.
A meio da sua caminhada de rotina para o mesmo sítio que toda a gente, embateu num rapaz. Ele virou-se para a enfrentar e, ao descobri-la, abriu-lhe um sorriso enorme e murmurou uma desculpa distraída. Ela acenou como se não importasse e continuou a andar. No entanto, sentia os olhos dele cravados na parte de trás da sua cabeça. Era um rapaz bem-parecido, não de uma forma que chamasse à atenção ou que fosse minimamente divinal, mas numa forma discreta e sorridente, o que lhe agradou. Havia apenas um problema com esse tipo de rapazes: nunca lhe correspondiam às expectativas. Eram sempre simples passageiros passivos no comboio da vida, que se limitavam a fazer ou a querer o que era suposto. Nunca aspiravam mais, nunca faziam mais. Rapazes humildes de terras pequenas que apenas acabariam com uma família e um emprego que tornasse possível sustentar essa mesma família. E ela nunca conseguiria viver assim. Nunca conseguiria viver enjaulada dessa maneira. Portanto, se ela era um cão doméstico, domado pela sociedade, ele era um tapete de boas-vindas.
Pestanejou muitas vezes quando sentiu a primeira gota de chuva cair-lhe suavemente no nariz. As nuvens concretizavam finalmente a ameaça que emitiram o dia todo. Sentou-se na paragem de autocarro e mergulhou-se no seu pequeno mundo outra vez, enquanto esperava. E aquela espera que parecia demorar uma eternidade, como sempre, dava-lhe tempo para lamentar a mediocridade a que toda a Humanidade se tinha submetido.
O semáforo finalmente ficou verde. E a multidão começou a atravessar a passadeira mecanicamente, rotineiramente. Ela perguntou-se se aquelas pessoas que caminhavam ao lado dela não se importavam de ser comandadas por uma máquina que emitia cores, se não se importavam de dar os mesmos passos e fazer a mesma coisa todos os dias. Os seres humanos eram assim, pequenas máquinas que se limitavam a fazer o que lhes mandavam, comandados pela sociedade e pelas suas regras, pelas leis e por outros seres humanos. Autoproclamavam-se de ''seres livres'', mas ninguém é livre. Ninguém é, mesmo, livre de fazer o que bem entender. A sociedade diz-nos que temos de ir à escola, que temos de estudar, de ter um emprego, de fazer alguma coisa com a nossa vida. E por muito que ela o quisesse fazer, que quisesse acabar por ser e fazer alguma coisa, ela não conseguia ignorar o sentimento de angústia de cão doméstico.
A meio da sua caminhada de rotina para o mesmo sítio que toda a gente, embateu num rapaz. Ele virou-se para a enfrentar e, ao descobri-la, abriu-lhe um sorriso enorme e murmurou uma desculpa distraída. Ela acenou como se não importasse e continuou a andar. No entanto, sentia os olhos dele cravados na parte de trás da sua cabeça. Era um rapaz bem-parecido, não de uma forma que chamasse à atenção ou que fosse minimamente divinal, mas numa forma discreta e sorridente, o que lhe agradou. Havia apenas um problema com esse tipo de rapazes: nunca lhe correspondiam às expectativas. Eram sempre simples passageiros passivos no comboio da vida, que se limitavam a fazer ou a querer o que era suposto. Nunca aspiravam mais, nunca faziam mais. Rapazes humildes de terras pequenas que apenas acabariam com uma família e um emprego que tornasse possível sustentar essa mesma família. E ela nunca conseguiria viver assim. Nunca conseguiria viver enjaulada dessa maneira. Portanto, se ela era um cão doméstico, domado pela sociedade, ele era um tapete de boas-vindas.
Pestanejou muitas vezes quando sentiu a primeira gota de chuva cair-lhe suavemente no nariz. As nuvens concretizavam finalmente a ameaça que emitiram o dia todo. Sentou-se na paragem de autocarro e mergulhou-se no seu pequeno mundo outra vez, enquanto esperava. E aquela espera que parecia demorar uma eternidade, como sempre, dava-lhe tempo para lamentar a mediocridade a que toda a Humanidade se tinha submetido.
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