Sonho
Acordei levemente, como se continuasse num transe sonolento. Entreabri os olhos, num gesto reflexo de curiosidade. A casa estava silenciosa e mergulhada na escuridão. Supus que fossem ainda 3 da manhã, o que me levou a suspirar e a virar-me pela milésima vez na cama.
Era uma noite fria de meias insónias, entre os acordares de meia em meia hora, os meios sonhos e os suores frios.
Tentei procurar uma posição confortável e esperar que o sono me levasse, mais uma vez, pela última vez. Fechei os olhos, decidida a obrigar o meu corpo a ficar inconsciente, a abandonar-se, a dar-me 2 segundos de descanso. No meio da escuridão abafada pelas minhas pálpebras, músicas começaram a deslizar, figuras e cores a formar-se.
Vi-me subitamente assombrada pelas imagens que eu mal percebera que foram o conteúdo dos meus múltiplos e fracionados sonhos. O pânico apoderou-se de mim.
Abri os olhos e inspirei fundo várias vezes para acalmar o meu saltitante coração. Não me lembrava de muito, já, mas o que me lembrava era o suficiente. O suficiente para me sentir aterrorizada de novo. Não sonhava assim há mesmo muito tempo, o que me fizera julgar que nunca mais o iria fazer. Mas ali estavam, os meus terrores, debaixo das minhas pálpebras, a dançar e a sorrir-me. Julguei nunca mais lhes chamar terrores. Julguei nunca mais ter terrores desses, que me arrancavam as cinzas do peito. Julguei, jurei, que era o fim, o meu fim, o fim de tudo. E, no entanto, ali estava, mais um sonho, mais um pesadelo, que eu não sabia como qualificar. Não sabia se o que doía mais era o sonho ou o acordar do sonho. Não sabia se o que me aterrorizava mais era a hipótese que o sonho colocou, ou a hipótese que acordar significou.
Já não chegaria? Achava impressionante que o meu subconsciente não se fartasse de pensar, de sonhar, sempre na mesma coisa. Não teria eu imaginação? Teria de ser sempre o mesmo? Seria alguma espécie de mensagem? Afinal, não faz muito sentido que assim não seja, não é? Porque diabo haveria eu de ter um sonho-pesadelo para atormentar a minha paz finalmente conseguida se não significasse uma mensagem qualquer? E desde quando é que eu acreditava neste tipo de coisas?
Já passou demasiado tempo. E eu, agora, tinha força suficiente para me rebelar contra esses movimentos arbitrários do meu pensamento. Já chegava. Lamentava muito pela pessoa que fui e nunca hei de voltar a ser, mas já chegava. Eu já não estava à espera, eu tinha encerrado um capítulo. E este sonho, este ínfimo e patético sonho, não ia estragar isso.
Virei-me de novo na cama e fechei os olhos. Ia dormir. Mais nada ia abalar-me, ou à minha recém-conseguida paz. Eu é que estava no controlo.
Percebi que estava errada assim que fugi para o mundo das ilusões apenas para me deparar com a mesma cena vezes e vezes sem conta. Percebi que estava errada quando o despertador tocou e eu abri os olhos vidrados, não de sono, mas de absoluto terror.
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