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A mostrar mensagens de junho, 2013

Dignidade

Fitou as unhas da cor do sangue que constrastavam com a pele branca. Sorriu inconsequentemente, o rosto carregado de autossatisfação. Sentada numa cadeira de madeira, cruzou os pés armados de tacões imponentes, em sinal de impaciência. O ecrã do computador teimava em não lhe mostrar o que ela queria. Achava ridícula aquela situação toda. Desde quando é que era que esperava, ela que ansiava? Ela era um prémio, o qual eles tinham que merecer. Sacudiu o cabelo arrogantemente. O pobre rapaz pensava que a podia domar. Pensava que conseguia ganhar jogos psicológicos com ela. Era impressionante o tamanho da ilusão em que ele se tinha mergulhado. Os olhos negros dela perscrutavam o ecrã. Ia ganhar. Por muito que a impaciência a consumisse, ia ganhar. Sentiu o estômago encolher-se. Perguntava-se se já só lhe interessava o jogo, o orgulho. Se tudo o que ele era se havia evaporado dela. Ou se o retorno da arrogância a tinha fechado. Apostava mais na segunda opção. Levantou, então, os olhos pa...

Saudades

Abri os olhos e sacudi a areia que se entranhava na minha pele. Enquanto o fazia ouvia as vozes, os risos, as saudades a serem mortas com meras palavras acusativas ou brincalhonas, enquanto as que queriam realmente dizer se entrelaçavam nas cordas vocais. Dessas vozes destacava-se uma. A voz que eu pensei que não voltaria a ouvir. Constituiu uma enorme surpresa para mim perceber que já não me lembrava como era essa voz. Não tinha passado assim tanto tempo. Foi ainda uma maior surpresa perceber que também já não me lembrava do rosto de onde provinha a voz. Para matar a minha curiosidade, virei-me e pousei os olhos nele. Não me consegui impedir de sorrir. As circunstâncias poderiam ter mudado, mas ele estava igual. Reconfortantemente igual. E os risos que saíam das bocas que o rodeavam também eram iguais. E a praia, aquele antro onde descansavam todas as minhas memórias, também estava igual. Só eu mudei, percebi, perdendo o sorriso. Não consegui tirar os olhos dele por uns momento...

Onde estás?...

Onde estás? Porque fugiste desta terra que cheira a mar, a qual as ondas arranham com força? Porque escapaste desta região com coração de ouro, onde os olhos são de cores de terra e o mar ruge o azul mais profundo? Encontraste refúgio entre as flores toscanas? Escondeste-te na festividade flamenca? Encontraste o que procuravas na beleza morena das cidades rodopiantes, fluentes na língua nasalada, na brutalidade ansiã? E porque o fizeste? Em busca de esperança? Em fuga das trivialidades do quotidiano? Em busca de refúgio de todos os teus demónios? Esperavas que, ao fugires, os teus problemas ficassem aqui? Esperavas que, ao fugires, já não sangrasses com a desilusão? Esperavas que a saudade te devolvesse a lucidez, pelo menos em parte? Esperavas que o estrangeiro te clareasse as ideias, te devolvesse a perspetiva? Que te adotasse? Esperavas adaptar-te e nunca mais teres de voltar? Esperavas recomeçar? Encontraste tudo o que procuravas? Lamento se o território da nobreza e da va...

A realidade

Tenho adiado escrever. Tenho adiado escrever tanto este texto como todos os outros. Já comecei milhares de rascunhos que nunca terminei, que deixei inacabados, porque não sabia o que mais escrever e porque tenho medo do que acontecerá quando acabar de os escrever. Mas está a chover. As gotas de chuva caem pesadas no telhado da minha casa, fazendo um ruído regular e reconfortante. E, apesar dos meus olhos pesarem incitando-me a dormir, eu sei que no segundo em que os fechar receberei imagens desagradáveis que se escondem debaixo das minhas pálpebras. Portanto vou-me manter acordada e vou escrever. Não tenho nenhum objetivo com este texto. Não tenho assunto nenhum em particular que surja na ponta dos meus dedos. Poderia escrever sobre como eu costumava apreciar as noites de chuva há meses atrás, com a cabeça perdida na almofada, um sorriso nos lábios e a mente bem longe dali. Poderia escrever sobre o quão viciada uma pessoa pode ficar na nostalgia e na tristeza. Poderia escrever sobre ...

A desentrelaçarem-se

Éramos tão novos, sabíamos tão pouco. Acho que isso é parte da beleza da vida. O mistério. O não se saber qual será o próximo passo, se sequer haverá próximo passo. Ainda nem passou um ano. E, no entanto, desde essa altura, eu envelheci perto de 20 anos. Tornei-me intolerante a tudo o que antes me fazia rir, tornei-me calada quando anteriormente discutiria, tornei-me ponderada quando antes teria sido impulsiva. Eu mudei. Só penso em infinitos planos, em objetivos, em futuros. Esqueci-me totalmente do presente. Esqueci-me da sensação da não existência do futuro. Esqueci o ''aproveita a vida'', o ''vive um dia de cada vez'' e todos esses mantras patéticos e desprezíveis, feitos para pessoas que não tencionam fazer nada consigo próprias. Toda essa era da minha vida acabou. E, apesar de eu não gostar particularmente destas mudanças, apesar de elas apenas significarem a minha transformação numa velha amarga, elas constituem uma evolução. Eu evoluí. Há 1 ...

A Liberdade

Num alpendre de granito, algures numa terrinha à beira-mar, algures num distrito invicto, algures no país da saudade, está uma rapariga de olhos negros. Enfrenta a brisa matinal, os débeis raios de sol que tanto caracterizam o início do dia. Tem uma caneca de café na mão direita, que leva à boca de quando em quando, em gestos suaves e regulares. Ainda tem o pijama vestido, ainda está descalça após uma noite de sono calorenta. O cabelo dela, transformado em ouro pelos raios de sol, está desgrenhado devido à luta noturna contra a almofada. Usa um sorriso vago e sonhador nos lábios e aponta os olhos negros para o horizonte, onde consegue ver os contornos da água azul do mar, indicando que está perdida nos seus pensamentos, presa dentro da sua mente. Entre as barras da sua prisão passam planos de viagens, de atividades, de atitudes. Entre as grades do seu calabouço delineam-se os rascunhos da saudade. Ela não sabia bem de que tinha saudades. Talvez daquilo mesmo, da visão solitária das...

Pequenas coisas

Adoro pequenos detalhes.  Adoro o cheiro que emana da relva verde após uma noite de chuva. A maneira como os cabelos ondulam ao sabor do vento. As imagens de velocidade quando olho pela janela do carro. A maneira como os casais apaixonados olham um para o outro, o olhar cheio de promessas e ternura. Quando reparo em curtos acordes de uma guitarra numa música que estou a ouvir pela milésima vez seguida. Adoro olhos, essa parte do corpo humano tão sonhadora, tão transparente. Creio que nos olhos se consegue ver o tipo de pessoa que se é. Adoro sorrisos. Nem que sejam sorrisos arrogantes. São talvez o ato humano mais óbvio de ler. Adoro o meu quarto. Não é grande, nem pequeno, não é vistoso, nem luxuoso, nem humilde. Parece adequado a mim, feito para as minhas dimensões, à minha medida. Adoro a maneira como a música se espalha na sua atmosfera. Como o som dos trovões ribombam pelo espaço. Adoro o cheiro obstinado de iodo que paira no ar na época do verão. Adoro o sol resplande...

Long spring days

Depois de 3 dias, de milhares de reflexões, de variadas conclusões, de infinitas decisões e de incontáveis sensibilidades, perdoei-lhe. Não completamente. Nunca lhe perdoarei completamente. Perdoei-lhe o gesto inicial. Perdoei-lhe o gesto final. Mas a intenção não. Perdoei-lhe porque percebi. Percebi que já ultrapassei. Ultrapassei-o. Tal como já tinha dito, não ultrapassei , no entanto, as sensações, as memórias. São momentos que gostaria de reviver. Mas não com ele. Nunca mais com ele. Sinto-me sem coração outra vez. A vaguear pelo vazio, pelas eternas divagações de que talvez nunca sairei. O problema destas situações é que fico totalmente presa dentro da minha própria cabeça. Mergulho-me em infortunas mensagens, infelizes pensamentos. Aos quais fico ligada, sem deles conseguir acordar. Espero que ele seja feliz. Sem mim. Porque ele nunca voltará a ter a possibilidade de me ter na vida dele seja de que maneira for. E isso entristece-me. Porque eu queria tê-lo de volta na minha...