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A mostrar mensagens de abril, 2013

Little Girl

Dirigi-me ao espelho. Ao contrário do que esperava, não vi o meu reflexo e sim o de uma menina pequena, nova, que olhava para mim intrigada. Era muito parecida comigo, reparei. Os mesmos grandes olhos castanhos, dotados de uma inocência inconsequente que já não existe em mim. O mesmo cabelo castanho, a mesma tez clara. Sorri-lhe ternamente. Ela inclinou o rosto para a direita e devolveu-me o sorriso. Devolveu-me o meu sorriso de marca, como a minha mãe tanto se diverte a recordar. Observei-a atentamente. Aquele sorriso carregava muita amargura para alguém que cingia a sua vida a princesas Disney. Talvez fosse o reflexo do meu sorriso. Teria assim tanta amargura? Sentei-me na cadeira mais próxima para estar mais cómoda. Ela fez o mesmo. Contei-lhe tudo o que se passara, tudo o que havia feito. Vi o rosto dela empalidecer, distorcer-se, mas os olhos dela nunca deixaram os meus. Vi a inocência desaparecer. Senti os meus olhos encherem-se de lágrimas e perguntei-lhe de voz embargada ...

Good days

Os raios de sol matinais batiam-me nos olhos. O cheiro a primavera era intoxicante. Saltei da cama, ansiosa por começar o dia. Dirigi-me até ao espelho mais próximo para ver os estragos que a noite me tinha feito. Apesar da confusão de cabelos, da existência de olheiras, das marcas, sorria tão largamente que era ridículo. Observei o meu sorriso. Não fazia ideia do porquê de tamanha boa disposição. Tentei parar de sorrir, sem sucesso. - Porque estás a sorrir, estúpida?- perguntei-me. Ri-me com a minha própria reação. Devia estar a enlouquecer. O rádio gritava uma música qualquer cuja letra era deprimente mas cuja música era o exato contrário. Saltei ao som da música. Dois dias bons seguidos não é algo que costume acontecer. Talvez sejam o início de apenas dias bons. Será possível? Já? Ou será só um intervalo nos dias maus? Ou talvez seja só do tempo. O meu humor costuma ser dado a copiar o tempo. Então que se mantenha o sol. E o que o meu humor continue ensolarado.

''There's a hole in my soul''

Imagem
Não é suposto que eu a odeie? Que a deteste, que a despreze? Consigo, no entanto, dizer de forma muito orgulhosa que gosto dela. Gosto das vibrações dela, da originalidade dela. Gosto da forma como ela sorria e gosto da forma como ela parecia tão mais adequada para ele do que eu. Será que estou a enlouquecer? Será que é esta a sensação de ultrapassagem? Não sei, mas gosto da sensação. Gosto de não ter o peso no peito. Gosto de estar a sorrir. Sinto-me a ir ao encontro de mim própria. Suspeito que esteja simplesmente num dia bom porque não me parece que algo que ontem me queimava hoje já me seja indiferente. Aliás, nem é indiferente, é agradável. Agrada-me quase, esta associação. Será esta a sensação de libertação? Esta leveza, será que é isto que significa? Ou será que simplesmente estou tão cansada que não consigo pensar em condições? Será este o resultado de todas as minhas insónias? Se for, que se mantenha. Quanto a ele, já nem sei que dizer. Já nem tenho mais palavras par...

Controlo

Já não sou nenhuma menina pequena. Consigo defender-me. Não preciso de ninguém, sou suficiente para mim própria. E posso, e consigo fazer o que eu quiser. Estou farta de ser tratada como uma inválida. Estou farta de ser um rascunho, um borrão. Estou farta de atrapalhar a minha própria vida. Estou farta das saudades. Portanto, isto sou eu a tomar o controlo da minha vida. Não há nada que eu não possa fazer ou dizer. Sem ajuda ou apoio. Sozinha. E eu vou sentir, fazer ou dizer o que bem me der na gana. Já não sou a menina fácil de pisar e de contornar. Cresci. Se tudo isto me fizer passar por insensível, melhor. Tudo o resto é fraqueza. E  eu garanto que não tenho um único osso fraco no meu corpo.

Pré-despedidas.

Sorri largamente. Como já não me lembrava de sorrir. O meu rosto estava encostado à janela do autocarro, nos meus ouvidos ressoavam mil músicas desoladas. Na minha mente dançavam mil imagens de todos os pequenos momentos dos últimos 5 anos. Conseguia ouvi-las a cantar. A disparatar nas letras, nos tons. Conseguia lembrar-me de tantas outras vezes que o fizeram. Incrível como o tempo passa. Incrível quanto os nossos rostos se modificaram. Quanto crescemos psicologicamente e fisicamente. Incrível o laço. O meu sorriso fecha-se. Todos aqueles anos chegariam ao fim. A um fim precoce. A um fim para o qual eu não estou preparada. Será a vida toda assim? Será que um dia vamos acordar e perceber que já não reconhecemos quem já foi uma grande parte da nossa vida? Que já não nos reconhecemos? O fim. Estarei finalmente a entender o significado destas palavras? Estarei finalmente a entender que a vida é feita destas palavras? Que achariam de nós as raparigas que éramos há anos atrás? Será ...

Don't you remember?

Está uma melancólica tarde de sexta feira. Olho através da janela do quarto à procura de algo que não é, mas que eu acreditei que se podia tornar, visível. Tenho uma expressão serena no rosto que combina com os meus pensamentos. O meu coração parece estar a afogar-se. Não em dor, mas em água mesmo, entre ondas que o submergem de nostalgia e a volta à superfície racional. Estou num frágil estado de equilíbrio. Entre a breve agonia e o breve sorriso de resignação. Não tenho razões particulares para o meu desequilibrado humor. A minha mente procura razões que o justifiquem, para que a causa seja retirada e as consequências sejam evitadas. Desisti um pouco dos meus planos de mudança. Tentei mantê-los pois acreditei que seriam melhores para mim, que ajudariam. Mas os velhos hábitos demoram a morrer e a ceder às mudanças. Consegui, no entanto, remover alguns pormenores que me incomodavam. Vou considerá-los como pequenas vitórias. O sentimento de saturação despenhou-se. Ficou apena...

Erros

Já não estarei farta de cometer erros? Já não estarei farta de rejeições, de sentir a minha dignidade desfeita? Já não estarei farta de saber o quão infantil consigo ser? Já não estarei farta de saber que me precipito nas ações? Não será, então, altura de me afastar? De me concentrar no necessário e deixar tudo o resto em suspense? Talvez esteja então na altura de crescer, de pensar antes de falar, antes de agir.  Talvez seja então altura de me afastar das distrações. Talvez esteja na altura de largar a raiva, também. E a tristeza, e as saudades, e as memórias. Talvez esteja na altura de seguir em frente. Sozinha. Serei capaz disso? Serei capaz de estar sozinha? Serei capaz de não me misturar, de me concentrar? Valerá a pena?

Ondas

Creio que não vou conseguir. Ao contrário do que pensava, não acredito que vou conseguir. Por um lado o meu humor parece não poder ficar melhor. Parece que estou de volta, que estou livre de toda a opressão que me parecia que sentia. Por outro lado qualquer coisa derruba facilmente o meu maravilhoso humor. Qualquer coisa me faz sentir o vazio que me habituei a ter preenchido. Qualquer coisa me deixa melancólica, irritada. Qualquer coisa me faz sentir inútil, estúpida. Qualquer coisa me lembra o quão ingénua fui. Qualquer coisa me lembra que levei dois tiros na minha dignidade. Esta bipolaridade está a afetar-me bastante. Algo que nunca pensei ser possível. Pensei que era intocável, inatingível, indestrutível. Acreditei tanto que o era que acabei por me tornar nisso mesmo. Mas pelos vistos os meus muros não eram suficientemente fortes nem suficientemente altos. E o tempo que vai demorar a reerguê-los é mais do que desejaria. A bipolaridade levou-me toda a minha confiança, todo o...

Atenção

Os dias passam. A cada dia recebo mais daquilo que achei que queria. Atenção. Achava eu  que não recebia o suficiente. Para mim nunca nada é o suficiente. Tenho que ter sempre mais, de uma maneira ou de outra. Mesmo que tenha o máximo possível não me preenche, não faz de mim completa. Sou insaciável. Talvez seja essa a razão pela qual sou feita para estar sozinha. Porque o que me dessem nunca seria suficiente. E as pessoas não estão preparadas para me saciar. Ninguém está preparado para lidar com alguém como eu. Percebi hoje que nunca soube estar sozinha. Nunca consegui ter o peso nos ombros de estar sozinha. Precisei sempre de alguém, que até podia nem querer saber, até podia não se querer envolver. Nunca consegui ser independente o suficiente para saber estar sozinha. Por meses, por anos. Percebi também que tive o que precisava. Precisava do fim. Porque eu era velha. Velha, amarga, rabugenta. Os meus olhos não tinham brilho, os meus lábios não se franziam em sorrisos. Não ...

Páginas em Branco

O ritual da página em branco. Os fiascos de luz nos meus olhos. As tempestades atravessadas no meu rosto. Não fui feita para amar. Não fui feita para amar mais nada a não ser os blocos de folhas vazios, a tinta da caneta a deslizar no papel, a formação de palavras. Palavras... Como pode algo tão pequeno, tão simples, criar tamanha revolução em mim? Como podem elas ser-me enquanto eu as sou escrevendo-as? É fácil. São talvez a única coisa não efémera na minha vida. Mantêm-se para sempre, mesmo quando nós já não nos mantemos na Terra.São intemporais. E esses vocábulos intemporais ditam-me e transformam-me enquanto eu os escrevo. Já fui, assim, dez mil pessoas diferentes e não deixei de ser eu, pois todas elas foram-me. Todas essas pessoas tinham um pouco de mim, dessa eu desfeita aos bocados. São a sombra de todas as minhas imperfeições. De todas as minhas paixões. De todos os meus desejos.