Jackie ou Marylin?
Ele abre os olhos. A sua visão ainda está turva, ainda não vê. O teto ainda é só branco, as paredes ainda são só despidas, o mundo ainda é um rascunho. Pestaneja várias vezes.
Tudo começa a parecer mais concreto, mais distinto, mais real. Já consegue ver as manchas de humidade no teto, os quadros nas paredes. E o pequeno sofá no canto do seu olho.
Vira a cabeça ligeiramente para esse sofá. E eu sorrio-lhe. Assim que ele de facto consegue distinguir o meu rosto, sorri de volta. O rosto dele torna-se num derreter de carinho e afeto. Tudo dirigido a mim.
Ali estava eu. Sentada naquele pequeno sofá, ao lado de uma cama de hospital, de onde ele me sorria. Ali estava eu para cumprir a minha função, ser o porto seguro, a pessoa de confiança.
Levantei-me e aproximei-me da cama. As minhas mãos estavam trémulas quando lhe tocaram na pele quente. Passei a minha palma da mão pelo rosto deleitado e cansado dele. Senti a pele perfeita e a barba por fazer. Senti, com esse mero toque, toda a dor, cansaço e desilusão que me acompanha há demasiado tempo.
Ali estava eu. Ao lado do homem que me pisou o coração. A fazer o meu papel, a lacrimejar, a sorrir, a estar preocupada. A ser o porto seguro e o farol da vida dele.
Eu era, de facto, o farol dele. Ele era já um navio desfeito, quase naufragado, que se aguentava nas águas apenas por minha causa. Apenas porque eu o suportava.
E eu ali estava. Aterrorizada por pensar que o podia ter perdido, mas desfeita e com vontade de partir por ele me ter feito o que fez. Não preciso dele e não devia ficar. Mas amo-o. Não fico porque preciso dele, ou porque tenho muito a perder, fico porque o amo.
Eu ali estava. A ser a pessoa que ele queria ver quando acordava, A pessoa por quem o rosto dele se iluminava, ainda que doente.
Eu sou a mulher que fica. A mulher em quem ele se pode apoiar. Nunca fui mulher de brincadeiras ou imaturidades. Não perco tempo com vícios e diversões. Eu sou o que quero ser. Sou a mulher séria e carinhosa. Sou a que ele amará sempre.
Ele amar-me-á sempre. Mas ele nunca mais estará apaixonado por mim. Porque está apaixonado por ela.
Há dois tipos de mulheres no mundo. As que estão ao vosso lado nas camas de hospitais, que vos dão a mão, que vos deixam apresentá-las aos pais e que são a ''tal'' que vocês fazem esperar enquanto aproveitam os vossos anos de loucura. E as outras.
***
É uma manhã gelada de inverno. Eu caminho à beira do rio com um cigarro na mão e a roupa amarrotada. O álcool já não me baloiça na mente. O meu expirar provoca vapor.
Seria de esperar que tremesse de frio, mas o inverno sempre me pertenceu. Ou eu é que sempre lhe pertenci. O frio do ar apenas corresponde ao meu frio. Um frio diferente.
As pessoas que passam fitam-me. Há duas reações gerais: a apreciadora, geralmente atribuída aos homens e a de nojo, geralmente atribuída às mulheres. As mulheres têm medo de mulheres demasiado bonitas e de mulheres independentes. Apenas invalida toda a sua vida.
Sorri com orgulho. Sim, toda a gente teme uma mulher que não se justifica, não se sujeita e não quer saber. É como se um ser não humano. Como se um demónio que entrou numa criatura bela. Como se tivesse nascido para ser homem.
Ajeitei o meu casaco de peles. A vida é bela. Enquanto eu tiver o aspeto que tenho e a liberdade que tenho, a vida será sempre bela. Os vícios não me matarão e serão sempre maravilhosos. E eu serei sempre um poço de perdição mergulhado num antro do pecado.
Nunca estivera com um homem por muito tempo. Ou porque me sinto sufocada ou porque ele não aguenta. Nenhum aguenta. Todos temem uma mulher que não tencione ficar, uma mulher que não se prenda.
Posso deixar esta cidade ainda hoje. Entrar no carro e ir para outra cidade qualquer, sem justificações, apenas seguindo a minha própria vontade. E fá-lo-ei. Mas ainda não.
Olhei para o meu relógio. 11 horas. Ele já deve ter acordado. Suspirei, criando mais vapor.
A tensão que se apoderou dos meus ombros foi violenta. Outras pessoas lhe chamariam de preocupação. Como estaria ele? Teria recuperado? Teria a cirurgia corrido bem?...
Pensara em ir vê-lo, mas isso seria ridículo. Não sou o tipo de mulher que lhe segure a mão, ou que espere à cabeceira dele. Não sou a esposa perfeita, ou a mulher de que ele precisa. Não quero que ele precise de mim. Não sei precisar dele, nem quero aprender.
Acredito que as pessoas devem estar juntas porque querem, não porque têm uma vida em comum e/ou porque precisam umas das outras.
Ele sabe. Ele não precisa de mim, porque sabe. Para isso é que ele tem a outra.
A que deve estar, neste momento, ao lado dele. A que ele nunca deixará, porque é o seu porto seguro, o seu rochedo.
Eu sou o amor da vida dele, mas ela é a Tal. Ele pensará sempre em mim enquanto está com ela, mas nunca parará de a amar. Porque eu sou o perigo e ela a estabilidade. Ele precisa dela, mas quer-me a mim.
Há dois tipos de mulheres neste mundo. As que se divertem sem se justificarem, que são feitas para os bons tempos, mas nunca para os maus. As que vos amarão com paixão, mas que nunca esperarão por vocês, dependerão de vocês ou estarão ao vosso lado quando estiverem doentes. E depois há as outras.
***
Há dois tipos de mulheres neste mundo.
Eu sou ambos.
Tudo começa a parecer mais concreto, mais distinto, mais real. Já consegue ver as manchas de humidade no teto, os quadros nas paredes. E o pequeno sofá no canto do seu olho.
Vira a cabeça ligeiramente para esse sofá. E eu sorrio-lhe. Assim que ele de facto consegue distinguir o meu rosto, sorri de volta. O rosto dele torna-se num derreter de carinho e afeto. Tudo dirigido a mim.
Ali estava eu. Sentada naquele pequeno sofá, ao lado de uma cama de hospital, de onde ele me sorria. Ali estava eu para cumprir a minha função, ser o porto seguro, a pessoa de confiança.
Levantei-me e aproximei-me da cama. As minhas mãos estavam trémulas quando lhe tocaram na pele quente. Passei a minha palma da mão pelo rosto deleitado e cansado dele. Senti a pele perfeita e a barba por fazer. Senti, com esse mero toque, toda a dor, cansaço e desilusão que me acompanha há demasiado tempo.
Ali estava eu. Ao lado do homem que me pisou o coração. A fazer o meu papel, a lacrimejar, a sorrir, a estar preocupada. A ser o porto seguro e o farol da vida dele.
Eu era, de facto, o farol dele. Ele era já um navio desfeito, quase naufragado, que se aguentava nas águas apenas por minha causa. Apenas porque eu o suportava.
E eu ali estava. Aterrorizada por pensar que o podia ter perdido, mas desfeita e com vontade de partir por ele me ter feito o que fez. Não preciso dele e não devia ficar. Mas amo-o. Não fico porque preciso dele, ou porque tenho muito a perder, fico porque o amo.
Eu ali estava. A ser a pessoa que ele queria ver quando acordava, A pessoa por quem o rosto dele se iluminava, ainda que doente.
Eu sou a mulher que fica. A mulher em quem ele se pode apoiar. Nunca fui mulher de brincadeiras ou imaturidades. Não perco tempo com vícios e diversões. Eu sou o que quero ser. Sou a mulher séria e carinhosa. Sou a que ele amará sempre.
Ele amar-me-á sempre. Mas ele nunca mais estará apaixonado por mim. Porque está apaixonado por ela.
Há dois tipos de mulheres no mundo. As que estão ao vosso lado nas camas de hospitais, que vos dão a mão, que vos deixam apresentá-las aos pais e que são a ''tal'' que vocês fazem esperar enquanto aproveitam os vossos anos de loucura. E as outras.
***
É uma manhã gelada de inverno. Eu caminho à beira do rio com um cigarro na mão e a roupa amarrotada. O álcool já não me baloiça na mente. O meu expirar provoca vapor.
Seria de esperar que tremesse de frio, mas o inverno sempre me pertenceu. Ou eu é que sempre lhe pertenci. O frio do ar apenas corresponde ao meu frio. Um frio diferente.
As pessoas que passam fitam-me. Há duas reações gerais: a apreciadora, geralmente atribuída aos homens e a de nojo, geralmente atribuída às mulheres. As mulheres têm medo de mulheres demasiado bonitas e de mulheres independentes. Apenas invalida toda a sua vida.
Sorri com orgulho. Sim, toda a gente teme uma mulher que não se justifica, não se sujeita e não quer saber. É como se um ser não humano. Como se um demónio que entrou numa criatura bela. Como se tivesse nascido para ser homem.
Ajeitei o meu casaco de peles. A vida é bela. Enquanto eu tiver o aspeto que tenho e a liberdade que tenho, a vida será sempre bela. Os vícios não me matarão e serão sempre maravilhosos. E eu serei sempre um poço de perdição mergulhado num antro do pecado.
Nunca estivera com um homem por muito tempo. Ou porque me sinto sufocada ou porque ele não aguenta. Nenhum aguenta. Todos temem uma mulher que não tencione ficar, uma mulher que não se prenda.
Posso deixar esta cidade ainda hoje. Entrar no carro e ir para outra cidade qualquer, sem justificações, apenas seguindo a minha própria vontade. E fá-lo-ei. Mas ainda não.
Olhei para o meu relógio. 11 horas. Ele já deve ter acordado. Suspirei, criando mais vapor.
A tensão que se apoderou dos meus ombros foi violenta. Outras pessoas lhe chamariam de preocupação. Como estaria ele? Teria recuperado? Teria a cirurgia corrido bem?...
Pensara em ir vê-lo, mas isso seria ridículo. Não sou o tipo de mulher que lhe segure a mão, ou que espere à cabeceira dele. Não sou a esposa perfeita, ou a mulher de que ele precisa. Não quero que ele precise de mim. Não sei precisar dele, nem quero aprender.
Acredito que as pessoas devem estar juntas porque querem, não porque têm uma vida em comum e/ou porque precisam umas das outras.
Ele sabe. Ele não precisa de mim, porque sabe. Para isso é que ele tem a outra.
A que deve estar, neste momento, ao lado dele. A que ele nunca deixará, porque é o seu porto seguro, o seu rochedo.
Eu sou o amor da vida dele, mas ela é a Tal. Ele pensará sempre em mim enquanto está com ela, mas nunca parará de a amar. Porque eu sou o perigo e ela a estabilidade. Ele precisa dela, mas quer-me a mim.
Há dois tipos de mulheres neste mundo. As que se divertem sem se justificarem, que são feitas para os bons tempos, mas nunca para os maus. As que vos amarão com paixão, mas que nunca esperarão por vocês, dependerão de vocês ou estarão ao vosso lado quando estiverem doentes. E depois há as outras.
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Há dois tipos de mulheres neste mundo.
Eu sou ambos.
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