O último ano antes do resto da minha vida

Deparei-me recentemente com um bloqueio total de imaginação. O meu cérebro preferiu dedicar-se ao tédio, ao sedentarismo e à apatia, em vez de se dedicar a ser produtivo.
Depois de suspirar muitos enfins, obriguei-me a sentar à frente do computador, e obriguei-me a arrancar. Arrancar é indubitavelmente o pior, principalmente quando não sabemos sobre o que escrever. Porque, meus caros amigos, para se escrever é preciso ter-se ou uma imaginação incrível, ou uma vida incrivelmente interessante de se reportar. E eu, geralmente, tenho pelo menos uma dessas variáveis, no entanto, ultimamente dou por mim sedenta de ambas.
Podia reportar as belas semanas de férias que tive, em que me deparei com um calor insuportável, praias brancas e mares gelados, uma bela banheira de hidromassagem num hotel de luxo, castelos e catedrais de uma beleza estonteante, um motor de carro avariado e uma capital tão completamente cheia de pessoas, que parecia transbordar. No entanto, por alguma razão, tudo isso me parece irrelevante. Aliás, desde há uns dias, tudo me parece irrelevante. Parece que o mundo entrou numa bolha resguardada, em que, desde que eu tenha comida para comer e uma cama para dormir, tudo o resto é desnecessário.
Por alguma razão, todos os problemas do mundo são patéticos e inúteis, todas as desgraças parecem inevitáveis, todas as problemáticas que normalmente me incomodam e me indignam profundamente, agora são apenas rascunhos, belos rascunhos de uma ex-vida apaixonada. Já nada me incomoda. O que é fantástico e fantasticamente terrível. O tédio é um parasita que se entranha debaixo da nossa pele e que só desaparece quando estamos atoladíssimos em trabalho. Não há como fugir ao tédio, quando a nossa vida se estagnou por completo e absoluto. Vivemos numa gaiola eterna, aprisionados dentro do nosso próprio cérebro. Quão poético. Apenas o que é poético me incomoda. O que é lírico, o que é apaixonante, entusiasmante. Talvez porque já não me lembre de ser alguma dessas coisas. Já sou uma velha rabugenta há um milhão de eras, isto porque tudo o que faz os jovens rir, chorar, ou sequer sentir, me revolta e me faz rosnar indignada com a ingenuidade deles. Contudo, agora já não é assim. Continuo a achar os meus colegas de nascimento pessoas ridículas, patéticas, infantis e incomodativas. Mas as ações deles são agora meras pedrinhas no meu sapato e não os costumados pedregulhos no meu caminho. Deixei, realmente e incrivelmente de querer saber, o que é fantástico para os que não precisam de querer saber. No entanto, a mim dava-me jeito querer saber, pelo menos para escrever.
Mas enfim mais uma vez, não serve de nada lamuriar-me pela minha falta de opiniões e sentimentos, milhões de pessoas neste mundo devem achar que isto são bênçãos.
Outro assunto a abordar é o meu recente aniversário. Ganhei um ano, o que sempre foi uma experiência maravilhosa, mas este ano foi apenas uma passagem irritante. Por duas razões, sendo a mais importante o facto de que este é o meu último ano. O último ano de minoridade, de escolaridade obrigatória, de não poder tirar a carta, o último ano antes da faculdade, antes de ser legalmente adulta, antes de ter responsabilidades perante a minha vida e o meu país. O último ano antes do resto da minha vida. Este pensamento dá-me cabo da cabeça porque eu, apesar de ser uma velha dentro de um corpo jovem mesmo assim não muito jovem, estou habituada a responsabilidades, a vivências, a hábitos de miúda.
Tudo isto me choca, porque ainda há pouquíssimo tempo eu dizia ''daqui a 4 anos estaremos a fazer as candidaturas para a faculdade''. Tudo isto me choca porque o que raio é que aconteceu ao tempo? Como é que todos estes anos me escaparam por entre os meus dedos? Quero voltar atrás, voltar a ter idade para as minhas estupidezes errantes, para poder não ter juízo. Ainda sou novíssima, eu sei, mas as pessoas da minha idade têm a mania que já temos anos suficientes para juízo. Eu sei que não tenho, nem nunca terei. Recuso-me a ter juízo. Recuso-me a prender-me, recuso-me a ser prendida. Recuso-me a render-me, a abdicar de uma vida de diversão até já estar velha e cansada. Sim, a ideia de uma relação na minha tenra idade ainda me indigna. Indigna-me a seriedade com que as crianças a encaram. Indigna-me que escolham uma pessoa e andem a brincar às casinhas. Mas enfim mais uma vez...
A segunda e menos importante razão é: não me vejo a mudar. Tenho sempre a sensação de mudança todos os anos, e este ano não me vejo a mudar, ainda me irei vestir da mesma forma, comportar da mesma forma, rir-me da mesma forma, achar piada às mesmas coisas. Talvez seja um pouco mais altiva, um pouco mais incisiva, um pouco mais desinteressada. Mas nada mais vai mudar. O que é monótono.
Para além de tudo isto, há ainda a acrescentar que quero fazer deste ano o melhor da minha vida. Em todos os aspetos. Quero fazer do último ano da minha vida como a conheço, o melhor ano da minha vida. Portanto, há muito pressão para pôr. Muito trabalho para fazer. Anseio saber o que me acontecerá. Que asneiras farei desta vez. Ano passado por esta altura também ansiava saber o que me aconteceria. O que suportaria, como o suportaria. Não imaginava eu o que esse ano me traria. Sendo a verdade que não me trouxe muito mais do que a pura e absoluta sensação de estar infinitamente gasta, cansada, velha. Mas este ano será diferente. Não muito diferente, mas diferente. Serei proativa. Ou pelo menos é o que eu continuo a dizer a mim própria.
Estou há horas para escrever estas míseras e desinspiradas palavras, meus caros, portanto dou o dia por literariamente terminado. Tentarei que o meu cérebro funcione melhor de hoje em diante.

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