''I've loved and I've lost''

Tenho tendência a pensar demais. A racionalizar aquilo que não devia ser racionalizável. Vivo num enorme cálculo. Sou tão infinitamente calculista... Tento sempre prever, estimar as consequências de tudo o que sinto.
Não acredito em espontaneidade. Já acreditei há muito tempo, que tudo cai do céu, que um dia encontraria uns quaisquer olhos por acaso e que tudo seria espontâneo, imediato. Que tudo nos cairia em cima, como nos filmes.
Mas a vida não funciona assim. Portanto, ignoro as sensações espontâneas que por vezes me assolam. Ignoro a súbita paixão, a súbita felicidade. Porque tudo isso acaba por se desvanecer. E o que sobra? A mesma sensação de tédio, a mesma sensação de vazio.
Acreditei em tudo o que era espontâneo há dois anos. Entretanto, a minha vida caiu de um precipício. E eu caí num poço. Caí e tornei-me alguém que precisa de se apagar, alguém que precisa de se divertir para se esquecer. Tornei-me alguém que tem um medo incrível de tudo. Tornei-me alguém que não consegue confiar. Tornei-me alguém amargurado.
Fiz asneiras atrás de asneiras. Desmanchei a imagem que tinha de mim própria. Desmanchei-me sozinha. Ninguém mais teve mão neste assunto. Eu e eu só. Preferi acreditar nas mentiras, que pareciam curar, do que nas verdades, que me queimavam e torturavam. Deixei-me baixar as defesas. E, claro, depois pereci quando fui atacada de surpresa.
Jurei nunca mais baixar as defesas. Mas isso não mudou nada. Perdi-me na vida boémia, nos rapazes, no álcool, no não pensar. E, posso não me ter magoado de novo, mas definitivamente humilhei-me. Vezes e vezes sem conta...
Mais tarde apareceu alguém. Que não me impediu de me humilhar, que não me conseguiu baixar as defesas, que não me conseguiu apagar o medo e que não me conseguiu fazer confiar. Mas que tentou com todas as forças. A esse ponto eu estava tão arrasada que tinha decidido dar-me vários anos de vida boémia. Queria fazer da vida uma festa, queria afogar a minha mente a pontos de me esquecer. Talvez se me afogasse o suficiente pudesse esquecer-me para sempre.
Esse alguém tentou recompor-me afincadamente durante um ano. Conseguiu fazê-lo, parcialmente. Continuo a não confiar, continuo com um tremendo medo de cair de novo, ao ponto de a ideia me petrificar, continuo a não querer nada mais que liberdade. Talvez estes meus limites nunca sejam quebrados. O que não é de todo justo. Não é justo que, por me ter apaixonado UMA vez e por ter corrido mal, que eu passe o resto da minha vida a compensar isso. Não é justo que aquela pessoa que se dispõe a ocupar a minha mente e o meu coração, que se dispõe a confortar-me, que se dispõe a esquecer todos os meus erros passados, (''O que é uma vida sem diversão?'', diz ele), que se dispõe a estar comigo onde e quando eu quiser, que se dispõe a esperar que a minha bagagem emocional se evapore, que se dispõe a esperar que eu esteja pronta, que se dispõe a esperar que eu me farte de ''festejar'' e de fazer asneiras, tenha também de sofrer comigo.
Caí num poço. Há quase um ano e meio. Parti-me em cacos. Entretanto, fui capaz de me recolar, mas os traços dos sítios onde me desfiz ainda se notam. São as brechas, as fendas, na minha inexpressão fria, no meu caminhar confiante e seguro, nas minhas palavras aguçadas, na minha atitude arrogante, no meu sacudir de cabelo, no meu sorriso desinteressado, no meu franzir de sobrolho. Veem-se melhor quando tenho copos nas mãos.
Não mereço apaixonar-me de novo? Daquela forma tão estúpida que os meus iguais o fazem? Não mereço deixar para trás as preocupações e as inseguranças? Não mereço ser uma adolescente com as hormonas aos saltos? Porque tenho que me limitar a ser uma velha rabugenta que suspira ao ver as crianças a brincar e a magoarem-se?
É verdade que não suportaria magoar-me de novo. É verdade que me gastaria a um ponto que era capaz de desistir de vez de qualquer emoção. Mas sou ainda tão nova para já me sentir assim tão usada e cansada... Devia poder esquecer-me de tudo isto. Devia poder virar as costas e dar o braço a quem me ama e a quem eu sei que poderia amar. Se não tivesse que suportar esta enorme cruz nas minhas costas, nos meus ombros, no meu peito.
Não é justo que pare a vida de outra pessoa porque decidi parar a minha. Não é justo que traga outra pessoa para o meu poço. É justo que a liberte e a deixe seguir em frente, de modo a encontrar outra pessoa que satisfaça o que eu não posso satisfazer. O que eu não sei se alguma vez poderei satisfazer.
Já não sei seguir ''o coração''. Racionalizo tudo porque o meu coração tem um q.i. negativo. O meu cérebro por seu lado é genial. E se ele me diz que me vou sentir uma floresta queimada por mais tempo do que aguento então eu acredito nele.  Não é justo que eu suporte a minha desgraça noutra pessoa.
Fui magoada por alguém que já não pertence à minha vida. E aquele que pertence à minha vida não devia ser prejudicado e obrigado a recompor um coração que não foi ele que partiu. Não posso limitar-me a passar de um amor para outro. Até porque não sei se alguma vez haverá de novo amor em mim. ''Patético''. Definitivamente patético, mas isso é o que eu sinto hoje. Amanhã mudará. Mudará sempre.
Porque ''I've loved and I've lost''. E a partir do momento em que se ''perde'', da maneira que eu perdi, a partir do momento em que se perde, para além de alguém, uma parte de nós, uma parte da nossa vida, uma faceta de nós, uma guerra mais connosco próprias do que com ele, acabou. Acabou por muito tempo. E não tenho vergonha de dizer: tenho medo. Minto, tenho vergonha de o dizer. Não posso apoiar-me noutra pessoa por uma bagagem que já se evaporou mas cujo espírito está lá sempre a assombrar-me. Tenho medo de o fazer, tenho medo de baixar as defesas, e tenho principalmente medo de nunca mais me sentir como me sentia. Sou tão ridiculamente nova para isto... Não consigo lidar com algo tão sério. Tenho medo de nunca ser sentimento suficiente. Tenho medo de odiar e de não conseguir esquecer a minha liberdade. Tenho medo da dor que posso causar. Tenho medo de já não saber ser só de uma pessoa. Tenho medo do que posso fazer. Tenho medo do que ele pode fazer. Do que ele me pode fazer.
Não posso mais. Não aguento mais. Não estou pronta. Estou aterrorizada. E não é justo que esteja constantemente a puxá-lo e a empurrá-lo. Ele merece solo estável. E eu nunca mais serei solo estável.
Talvez deva libertá-lo de vez. Mas isso ainda me aterroriza mais. Que farei sem ele? Não consigo voltar a ficar sozinha. Nem é no aspeto físico da coisa, mas no emocional. Não consigo voltar a não ter ninguém que suporte as minhas dores comigo...
Tenho tanto medo... De tudo, de todos.
A escolha é: sou egoísta e mantenho-o em algo que não é suficiente para ele ou sou altruísta e deixo-o ir, arriscando-me a cair num poço de novo?
Fui magoada por outra pessoa, vê-se em todos os meus traços. Podia deixá-lo tomar conta de mim... Mas isso não funciona assim. Amei e perdi. Já nada mais sobra em mim.

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