Regresso
Nos últimos dias senti-me dentro da minha pele. Pela primeira vez em tanto tempo que nem consigo contar.
Senti-me fria, vazia, impassível. Acima de tudo, senti-me calma. Senti como se o mundo tivesse finalmente parado de correr e eu pudesse finalmente aproveitá-lo.
Já não sinto como se a minha vida me escorresse por entre os dedos e que estes eram os anos para morrer antes de renascer, que eu bloquearia e de que nunca me lembraria de novo na minha vida.
Talvez tenha estado enganada.
Apesar de tudo, sinto as mudanças. Sinto-as na minha muito maior sensibilidade e compreensão de dores alheias, sinto-as no aumento ligeiro da minha paciência, sinto-as no amor profundo que espero que nunca passe.
Já não me sinto a definhar lentamente. O cansaço existencial mantém-se, e a absoluta noção de que não existe felicidade por inteiro também. Já não vivo descuidada. Diz a pessoa que sempre teve as maiores defesas deste planeta. Mas era ingénua. Acreditava numa vida que eu controlava, acreditava que as pessoas me podiam amar quando eu quisesse e como eu quisesse.
Mas até o amor incondicional tem condições. E a vida é, de facto difícil, descubro agora.
E eu não sou quem pensava ser. Estou cansada de lutar contra mim mesma, estou cansada de me controlar e de ser quem achei que devia ser e não quem realmente sou. Não sou indestrutível. Durante todos estes meses dolorosos desejei desesperadamente ser indestrutível porque talvez assim a minha dor parasse de me matar aos bocados. Quando achei que ia morrer, deitada no chão de uma casa de banho de uma casa que eu não reconhecia como a minha.
Queria voltar a ser cruel, fria e insensível. Queria que as minhas defesas voltassem. Dava a minha alma para que o meu coração fechasse a enorme ferida de que ele sangrava e que parecia fazer com que eu me esvaísse de sangue e de energia.
Ser quem não sou e tentar manter essa personagem tornou-me completamente doente. Foi preciso desistir de ser essa pessoa, para a voltar a ser, nem que seja em escala pequena.
Sinto-me dentro do meu corpo. Sinto alguns vestígios da autoestima que tinha sido derrubada por completo. Já sinto mais do que dor e tristeza. Sinto conforto, sinto vazio, sinto raiva. Como eu tinha saudades de sentir raiva! Sempre foi o meu sentimento favorito. O meu desafio, porque nunca conseguia realmente controlá-la.
E a dor. A dor, pelo menos aquela, parece mais pequena, parece deixar-me respirar. Dei por mim vários dias seguidos sem o conhecido apertar do coração. Com descontração, com alguma felicidade.
Dei por mim a poder aproveitar o sol, a felicidade, a descontração. Já não sabia o que era nada disso.
Não me lembrava o que era viver uma vida que não parece tortura.
Sinto a dor a apagar-se como todas as outras, como uma memória. Talvez seja uma ilusão, ou talvez não. Talvez eu realmente esteja a sobreviver. Quando mais uma vez pensei que não me era possível.
A minha cabeça limpa-se e torna-se um tanto ou quanto racional. Depois de todas as lágrimas e desesperos.
Já não estou doente. Não estou curada, mas já não me sinto doente. Sinto que a vida vai continuar. Comigo nela, a realmente participar e não como uma mera espectadora dos anos a correrem.
Vivo, respiro. Estou dentro de mim. Quero ser eu. Quero corrigir tudo o que fiz antes, mas ser quase a mesma pessoa. Será possível?
A mesma pessoa, só que estando apaixonada, só que sendo mais compassiva, só que sendo capaz de ser altruísta. A mesma pessoa, só que menos amargurada e mais compreensiva. Ou, caso seja apenas essa a minha cura, apenas a mesma pessoa. Isso chega.
Sinto que devo agradecer a algo ou a alguém por me darem a oportunidade de viver, mais uma vez. Foram tantos os momentos em que me senti encurralada. Mas afinal não estava. Estou viva.
Estou de volta. Pelo menos, parcialmente. Regressei do inferno. Espero que permanentemente.
Senti-me fria, vazia, impassível. Acima de tudo, senti-me calma. Senti como se o mundo tivesse finalmente parado de correr e eu pudesse finalmente aproveitá-lo.
Já não sinto como se a minha vida me escorresse por entre os dedos e que estes eram os anos para morrer antes de renascer, que eu bloquearia e de que nunca me lembraria de novo na minha vida.
Talvez tenha estado enganada.
Apesar de tudo, sinto as mudanças. Sinto-as na minha muito maior sensibilidade e compreensão de dores alheias, sinto-as no aumento ligeiro da minha paciência, sinto-as no amor profundo que espero que nunca passe.
Já não me sinto a definhar lentamente. O cansaço existencial mantém-se, e a absoluta noção de que não existe felicidade por inteiro também. Já não vivo descuidada. Diz a pessoa que sempre teve as maiores defesas deste planeta. Mas era ingénua. Acreditava numa vida que eu controlava, acreditava que as pessoas me podiam amar quando eu quisesse e como eu quisesse.
Mas até o amor incondicional tem condições. E a vida é, de facto difícil, descubro agora.
E eu não sou quem pensava ser. Estou cansada de lutar contra mim mesma, estou cansada de me controlar e de ser quem achei que devia ser e não quem realmente sou. Não sou indestrutível. Durante todos estes meses dolorosos desejei desesperadamente ser indestrutível porque talvez assim a minha dor parasse de me matar aos bocados. Quando achei que ia morrer, deitada no chão de uma casa de banho de uma casa que eu não reconhecia como a minha.
Queria voltar a ser cruel, fria e insensível. Queria que as minhas defesas voltassem. Dava a minha alma para que o meu coração fechasse a enorme ferida de que ele sangrava e que parecia fazer com que eu me esvaísse de sangue e de energia.
Ser quem não sou e tentar manter essa personagem tornou-me completamente doente. Foi preciso desistir de ser essa pessoa, para a voltar a ser, nem que seja em escala pequena.
Sinto-me dentro do meu corpo. Sinto alguns vestígios da autoestima que tinha sido derrubada por completo. Já sinto mais do que dor e tristeza. Sinto conforto, sinto vazio, sinto raiva. Como eu tinha saudades de sentir raiva! Sempre foi o meu sentimento favorito. O meu desafio, porque nunca conseguia realmente controlá-la.
E a dor. A dor, pelo menos aquela, parece mais pequena, parece deixar-me respirar. Dei por mim vários dias seguidos sem o conhecido apertar do coração. Com descontração, com alguma felicidade.
Dei por mim a poder aproveitar o sol, a felicidade, a descontração. Já não sabia o que era nada disso.
Não me lembrava o que era viver uma vida que não parece tortura.
Sinto a dor a apagar-se como todas as outras, como uma memória. Talvez seja uma ilusão, ou talvez não. Talvez eu realmente esteja a sobreviver. Quando mais uma vez pensei que não me era possível.
A minha cabeça limpa-se e torna-se um tanto ou quanto racional. Depois de todas as lágrimas e desesperos.
Já não estou doente. Não estou curada, mas já não me sinto doente. Sinto que a vida vai continuar. Comigo nela, a realmente participar e não como uma mera espectadora dos anos a correrem.
Vivo, respiro. Estou dentro de mim. Quero ser eu. Quero corrigir tudo o que fiz antes, mas ser quase a mesma pessoa. Será possível?
A mesma pessoa, só que estando apaixonada, só que sendo mais compassiva, só que sendo capaz de ser altruísta. A mesma pessoa, só que menos amargurada e mais compreensiva. Ou, caso seja apenas essa a minha cura, apenas a mesma pessoa. Isso chega.
Sinto que devo agradecer a algo ou a alguém por me darem a oportunidade de viver, mais uma vez. Foram tantos os momentos em que me senti encurralada. Mas afinal não estava. Estou viva.
Estou de volta. Pelo menos, parcialmente. Regressei do inferno. Espero que permanentemente.
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