Assim seja.
Os meus olhos abriram-se e enfrentaram uma luz esmagadora. Por breves momentos, não me lembrei de nada. De quem sou, do que tenho feito, de onde estou. Por breves momentos, as pulseiras no meu pulso não me pesaram e eu pude não ser.
Estive à minha
procura muito longe de casa.
Procurei-me
incessantemente no fundo de um país que eu em geral detesto, numa situação fora
da minha zona de conforto. E, curiosamente, encontrei-me.
Encontrei a parte de
mim que não existe. A divertida, faladora, imprudente. Descobri-a debaixo de
inibições e atrás da vergonha.
Fui, tal como
queria, uma pessoa diferente durante um pequeno período de tempo. Falei pelos
cotovelos, fui relativamente sociável e dei azo aos desejos de alguém que não
sou eu.
Deixei o meu cérebro
marinar e mergulhar em algo que lhe é prejudicial e adorei. Adorei a sensação
de liberdade absoluta, mesmo que a minha consciência me tenha dito várias vezes
(algures no fundo da enorme camioneta que é o cérebro, enquanto eu estava bem à
frente da mesma, bem exposta) para ser prudente e séria e eu. Mas eu, feliz ou
infelizmente, recusei-me.
De facto, fui
liberta e perdida, enquanto me procurava. Procurava a tal mudança que ando a
apregoar há demasiado tempo e que me levará ou para o passado ou para o futuro,
mas longe do presente aborrecido.
No entanto, percebi que fui mais ingénua do que devia. Percebi finalmente que esta busca por uma mudança radical só pode trazer tragédia.
Aprendi muito sobre mim nestes últimos tempos. Aprendi que não sou a pessoa que achava ser e que talvez não volte a ser a pessoa que sou por algum tempo. E, apesar de até agora eu ter ansiado por essa mesma mudança, agora temo-a. Temo as consequências, temo o meu próprio julgamento e temo a possibilidade de não voltar a ser a pessoa que fui e que sou. Eu queria, de facto, mudar. Mas não com exagero e escândalo, com suavidade e calma.
No entanto, houve exagero e escândalo. Fui explosiva e exagerada. Cedi a mim própria, sucumbi perante a liberdade.
E agora tudo é como é.
Por isso, quando acordei, quando a enorme luz me lembrou quem eu sou e voltei a sentir o peso nos ombros, na cabeça e no pulso, lembranças de liberdade a mais, decidi cortar. Decidi pegar numa literal tesoura e cortar tudo o que me fosse lembrar de algo que foi épico, e que, por isso mesmo, eu prefiriria esquecer. Tudo.
E talvez seja contraditório dizer que algo foi maravilhoso mas terrível. Talvez seja absolutamente ingénuo da minha parte achar que posso apagar seja o que for.
Mas, por muito ingénuo que tenha sido, quando eu decido, decido.
E, qualquer estupidez que tenha sido feita desapareceu só porque eu quero que desapareça. Nada mais há ou haverá.
Não digo que me arrependi. Arrependi-me de muito na vida apenas para depois perceber que a sensação de arrependimento era mais corrosiva do que a situação em si. Recuso-me a sentir-me arrependida, por muito que saiba que até os que me são mais próximos vão estranhar essa decisão. Por muito que saiba que estive errada, que agi mal. Não me arrependo. Prefiria que nao tivesse acontecido, mas não me arrependo.
Tudo o que é bom na vida parece agridoce. E assim é.
Procurei-me muito longe de casa e descobri muito sobre mim, sobre os outros e sobre limites. Aprendi o que já aprendera: que tenho falta de autocontrolo e que me perco muito facilmente, tendo em conta a personalidade demarcada que tenho. Mas desta vez escolho não me sentir culpada ou arrependida ou magoada. Até porque escolho não me lembrar.
Escolho guardar todas as boas recordações numa parte do meu cérebro escondida e guardar as más na parte do meu cérebro onde está o que eu me esqueci mas que nunca vou esquecer.
Nunca mais falarei sobre o assunto. Nunca mais ouvirei sobre o assunto.
E assim seja.
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