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As correntes de ferro apertam-se à volta dos meus pulsos. Sinto, a cada momento, o ferro a cortar-me a pele, o meu sangue a jorrar.
Cada dia que passa o ferro entra cada vez mais. Cada dia que passa a minha vida esvai-se por entre as manchas de um vermelho escuro.
Parece que cada passo que dou se aproxima do nada. Do infinito precipício, do enorme salto, da completa escuridão. Não sei o que se segue. Não sei para onde vou ou como vou.
Os dias passam e cada ''final'' chega, Cada coisa que será a última que eu vou fazer.
As correntes cortaram-me profundamente os pulsos no dia em que decidi tornar-me prudente. Talvez seja um exagero de uma mente melodramática, mas foi um passo muito grande, tomado por uma pessoa que ainda se vê como uma criança pequena.
A minha vida esvai-se por entre os meus dedos pequenos e finos. Não consigo fechar a mão e agarrá-la.
Preparo-me para terminar tudo. A minha irresponsabilidade, o meu humor, o meu embaraço, a minha prodigialidade. Tudo termina dentro de uns meses. À medida que me mudo para ambientes desconhecidos e não amigáveis. À medida que faço as malas, tento obrigar o meu cérebro a marrar, compro o raio de um fútil vestido. À medida que a minha vida passa a girar à volta de um comprimido, da sua ineficácia e da sua para já inutilidade. À medida que as decisões e o stress se acumulam ao ponto de eu realmente já não poder fazer nada para me salvar.
Não tenho sequer tempo entre o meu stress e a minha exaustão para realmente reparar nas correntes que me cortam os pulsos, que me cegam, que me destroem. Elas não importam a maior parte do tempo. Não podem importar.
Paralelamente, fortes cordas prendem os meus tornozelos. Mas estas não me magoam, não me cortam. Mas sufocam-me. Sufocam-me de cada vez que exigem mais do que eu posso dar, do que o tempo, disposição e paciência que eu posso dar. Incomodam-me de cada vez que alargam o suficiente para que, se eu der um pequeno salto, me possa libertar. Mas eu não me quero libertar. Pelo menos não totalmente. Estas cordas são o que me manteve presa ao chão e em bom estado muitas vezes. São o que amparou a queda de cada vez que fiz estupidezes. São o que me salvou de mim.
Portanto, não me posso libertar. Mas também não posso deixar-me sufocar por exigências e pedidos para ficar. Não posso ficar, tenho de voar. Tenho de ser mais do que aquilo que estas cordas me deixam ser. Por muito que ficar na doce e suave felicidade pareça tentador, eu não posso distrair-me, tirar os olhos do prémio.
Sinto que estou completamente presa numa caixa. E, à medida que o tempo faz pressão, eu preciso de decidir se me liberto ou se sou esmagada. Preciso de decidir se desperdiço os melhores anos da minha vida a brincar às casinhas, ou se a parte de mim que aspira a grandeza se ergue, indigna e me obriga a acordar.
Sei que quando tudo isto acabar me vou sentir aliviada por não estar presa a algo que não posso alimentar da forma devida, a que não posso dar atenção que não tenho. Estou gasta, não tenho como dar mais. Tudo de mim foi gasto. Desperdicei-me.
Sei que quando tudo isto acabar me vou sentir destroçada. Porque aí estarei, como já não estou há quase dois anos, sozinha.
E enfim outro dia passa sem que eu viva nele. Quero que o tempo acelere para que tudo isto seja indolor. Quero que o tempo abrande para que eu possa aproveitar.
Quero que o tempo acelere para que tudo isto deixe de existir.
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