O privilégio de desistir

Hoje em dia sinto pouco mais que cansaço e frustração. Dou por mim em constantes sonhos sobre fugir. Já pensei e já falei sobre isto antes. Parte de mim vive do outro lado do mundo. Não propriamente num sítio específico, ou num tempo específico, simplesmente longe daqui, longe de mim, longe de ti e longe de tudo.
É uma atitude de cobardia, eu sei. Nunca fui do tipo corajoso e acima de tudo não tenho bravura suficiente para enfrentar o meu próprio fracasso. Simplesmente não tenho isso em mim. Em mim, só tenho medo, e um muro construído em mentiras.
Quem sou eu, se não sou a pessoa que menti que sou? Quem sou eu, se não o sucesso, se não a confiança, se não a insensibilidade? Quem sou eu, se não sou a pessoa que fiz um esforço colossal por ser? Existe um eu sequer? E esse eu, quem é? A miúda aterrorizada e emocional para que fujo? Uma máscara atrás da qual não há nada?
Para onde foram os meus sonhos? Para onde foram as minhas palavras? Para onde foram as minhas emoções, que não cansaço, que não frustração, que não medo?
Quando me olho ao espelho, onde estou eu? Onde acabo e onde começa a mentira?
A verdade, se a fosse capaz de confessar, e se a minha confissão fosse a verdade, é que não quero estar aqui. Ou antes, quero abandonar este corpo que é suposto ser meu mas que não se sente como meu, e levar a minha alma para onde sempre pertenceu, longe e bem longe daqui, algures numa praia deserta, ou numa cidade atribulada, a escrever e a respirar.
A minha máscara só se mantém quando vejo uma meta. Mas quanto mais próxima ela chega, mais ela me escapa, e quanto mais ela se me escapa, mais sinto a máscara desconfortável e pesada. Dou por mim a desejar ardentemente não ser a pessoa que sou ou a pessoa que minto que sou. A poder ser como uma qualquer, uma que também é só máscara, mas cuja máscara é mais confortável. Uma máscara cujo único papel é de ser um acessório de braço.
As palavras "morrer para o mundo" pesam-me porque as desejo ardentemente. Desejo desistir, largar-me, e viver para sempre no frasco de Blimunda, ou num paraíso qualquer, não importa. Quero viver, mas uma vida muito menos pesada que esta. Uma em que todos os dias são iguais, sempre em serenidade, sempre sem dor, porque sempre não sentida. Quero abandonar o fracasso que sou e fugir para a montanha mais alta, ou para uma casa enorme com um homem tão vazio quanto quero ser, ou para um convento sem Jesus Cristo.
Quero desistir, mas nem saberia por onde começar a desistir. Simplesmente, faria as malas e ia? Para onde, sem dinheiro? Para onde, sem destino? Para onde, sem vida? Quero abandonar o meu nome, o meu rosto, a minha voz. Quero esquecer-me que alguma vez existi, que não fui sempre outra qualquer, que alguma vez houve alguém como eu.
Mas como? Como deixo tudo para trás? Não é possível, realisticamente. E alguém tão cobarde como eu, nem tem coragem para ficar, nem para ir.
Quero dizer adeus, mas não tenho como.
Portanto, dou por mim obrigada a ficar, como um barco para sempre ancorado.

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