Arte

"Arte", é tudo em que penso. Ele é absolutamente arte. Cada pedaço dele é arte. Arte pura, arte simples, arte firme. Tudo o que ele é, é arte. Todos os traços dos olhos cor de mel dele, ou do cabelo negro com que ele se preocupa demais, da pele dele, do corpo dele. Todos os traços da personalidade dele, a voz doce mas inflexível dele, a maneira como ele olha para mim, o rosto dele quando está concentrado em alguma coisa, e tudo nele é um conto de fadas. Daqueles gravados nas cassetes da minha infância.
Cada segundo que passo a olhar para ele sinto-me a pessoa mais absorta do mundo, que por alguma razão tem esse privilégio, não só de olhar para ele, mas de lhe tocar e, acima de tudo, de ser parte dele.
Lembro-me todos os dias da ironia de tudo isto. Da ironia de uma rapariga que nunca acreditou em contos de fadas ter tropeçado num.
Uso o termo "conto de fadas" muito livremente. Nenhuma relação é um conto de fadas, todas carregam a sua dor, o seu ressentimento, a sua paciência. No entanto, é muito fácil esquecer-me disso, deitada ao seu lado, siderada com o seu rosto.
Passo dias mergulhada numa poça de nada por causa disto. São mais os dias em que já não sei quem sou, do que o contrário.Tornar-me adulta supostamente tornou-me na pessoa que realmente sou. Mas a verdade é que não quero ser esta pessoa. Não a reconheço, esta versão não zangada e calma e matura de mim. Falta-me a paixão de antes, e uma pinga de diversão.
É verdade, crescer tornou-me aborrecida. Não ajuda a exaustão e a lista constantemente cheia de tarefas. Perdi a coragem, o mau humor, e quase tudo o que me tornava, enfim, eu.
Agradeço ter perdido muitas dessas característicos, mas não agradeço ter ficado aborrecida, ou não agradeço esta imediata tristeza que me assola em situações que antes apenas me deixariam zangada. Já não sei quem sou. E não sei se são apenas as amarras das obrigações que fazem com que assim seja, ou se na verdade nunca fui quem achava ser.
Mas isto não é um problema teu. O teu único problema é que me lembras arte, e eu já não me sinto ao nível de arte há muito tempo.
Já não me lembro da última vez em que me olhei ao espelho e tive uma sensação de coração cheio, de quase orgulho do meu aspeto. Agora parece que de cada vez que me olho ao espelho descubro algo novo para apontar como errado. Nunca fui uma dessas raparigas. Conheci poucas pessoas neste mundo com tanta confiança no seu aspeto como eu. No entanto, foi assim que a história progrediu. E agora tudo o que vejo são as manchas no meu rosto, o inchaço na minha barriga e ar pouco artístico que tenho. E não é só uma questão física. Sinto a minha criatividade a fugir-me por entre os dedos, o meu sarcasmo a deslizar-se de mim, e a minha capacidade de controlo emocional foi-me despida por completo. Já não sei o que sou.
E aquilo que me provoca ainda mais essa sensação é a insegurança que me atravessa. Nunca fui uma miúda insegura. E sei que tu não compreendes porquê que o sou. Mas também não é isso que importa, os porquês. São um desperdício de tempo.
O que importas és tu. E o facto de seres arte. Não é só o pareceres lapidado em pedra sagrada, mas o que tu és, mais, quem tu és. Nunca conheci um coração tão puro, e tão cheio de se importar com os sentimentos de todos. Nunca conheci ninguém tão altruísta, tão educado e tão genuíno. Nunca conheci alguém como tu. Acho que passamos a vida a deslizar por entre pessoas indistintas, rostos sem mais, que quando damos com uma personalidade diferente, um gosto diferente, é difícil virar as costas.
E diferente és, definitivamente. Posso passar anos a tecer-te elogios, mas tu já os saberias decor. O meu âmago diz-me que deves ter sido escolhido para coisas muito maiores do que todos nós, porque não entendo como foste tão abençoado. Abençoado com honestidade, abençoado com genuinidade, abençoado com a tua forma de estar na vida. A tua humildade, a tua simpatia e generosidade, são absolutamente colossais. És absolutamente enorme, tens um coração de ouro.
E é isso, acima do facto de teres o aspeto de mármore embutido, acima de tudo o que és, que te torna arte. O seres tão simples e não apologeticamente tu.

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