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A mostrar mensagens de setembro, 2014

Ganhar ou Perder

Nunca pensei em mim mesma como um porto seguro, como algo digno de confiança, a que se retorna sempre que se sente perdido. Nunca pensei em mim como um qualquer tipo de brinquedo que nos anima quando não se sabe o que se fazer, quando não temos quem mais nos anime. Nunca pensei em mim como certa. Previsível. Fácil de manipular. Mas o tempo prova que estou errada. Que talvez deva pensar em mim assim. Talvez deva efetivamente aumentar a distância entre mim e aquilo que me ridiculariza: a minha enorme e despeitada capacidade de perdoar o que não deve ser tão facilmente perdoado. Concentrar-me naquilo que tenho de me concentrar, tanto intelectualmente como fisicamente. Esquecer que há outras pessoas no mundo. Essas pessoas não importam quando eu estou traçar o meu futuro. As pessoas que me rodeiam já não me rodearão dentro de um ano. Portanto, o quê que elas importam? Nada. O quê que ele importa? Nada. O quê que ele importa? Nada. O quê que ele importa? Nada. ... Não sou um porto seg...

O Futuro

21 de setembro de 2024, As minhas pernas nuas estavam cruzadas debaixo da mesa alta. O meu punho fechado suportava o meu rosto, enquadrado pelo meu cabelo curto, até ao meio do pescoço, que se se encaixava perfeitamente na minha expressão. Costumava adorar cabelos longos, mas há algum tempo que percebera que o que era mais prático era o adequado. Aliás, passara a conceber a estética pessoal como uma mera forma de marketing. Já não me vestia para me sentir bem, para impressionar a mim mesma, a outras, a outros. Sabia o aspeto que tinha. Sabia que era tão prejudicial como benéfico. Portanto, passei a descuidar-me. Não literalmente, mas no assunto em que apenas me vestia bem por hábito, para ter um aspeto polido e de confiança. Apenas me olhava ao espelho para ter a certeza que a minha maquilhagem estava bem colocada, não para me embebecer com a minha aparência. Era irrelevante. Daí que as minhas unhas fossem curtas e pintadas de um vermelho escuro. Daí que estivesse sobre uns sapatos p...

Os Clintons

Ele pega-me na mão através da mesa. A maneira como envolve a minha é suave e delicada, dobrando-a com um mero toque de dedos. O gesto era distraído, despropositado, demonstrando uma afeição acostumada, habitual e leve. Sorri-lhe levemente, devolvendo o leve aperto de dedos. As pessoas à nossa volta fitavam-nos com curiosidade disfarçada. Talvez porque somos jovens, talvez porque somos atraentes. Mas principalmente porque vivíamos um belo romance sofisticado, objetivo, sorridente, leve e de uma perfeição incrível. Ambos brilhamos sofisticação. O meu longo e liso cabelo sorri brilho, a minha confortável mas arranjada roupa assenta-me como uma luva. O cabelo dele está sempre perfeito, os olhos verdes dele têm sempre o mesmo brilho, e a roupa dele, escolhida sempre por mim, torna-o ainda mais largo, ainda maior, ainda mais adulto. Os lábios dele movem-se enquanto ele discute um qualquer assunto sobre o qual eu não tenho qualquer interesse, mas eu não o ouço. Nunca fui uma boa ouvinte. M...

Antecipação - II

Os meus olhos aterrorizados fixaram-se na poeira. Os meus lábios estavam abertos, o meu rosto traduzia o puro horror de alguém que sabia que o seu fim estava eminente. Inspirei fundo o cheiro a enxofre e a pó. À minha frente os escombros da base da NATO lembravam o Apocalipse. E era, de certa forma, o Apocalipse. A salvação deste mundo, o fim desta guerra dissolvera-se ali, perante os meus demasiado novos olhos, num ruir de edifícios. Os soluços atacaram a minha garganta. Sufoquei-os. Não era uma menina. Desde há um ano que era um soldado. Não uma menina. Não tinha o direito de chorar. Todas as minhas lágrimas tinham sido vendidas tanto ao Estado português, como à NATO, como a Deus, como ao Diabo. Recompus uma expressão digna e inexpressiva. Mas os meus olhos continuavam tão esbugalhados de terror como antes. Sabia que tal aconteceria. Alistei-me para isto mesmo. Para morrer numa guerra sem sentido. Alistei-me para morrer. Não me pareceu justo que os nossos irmãos, os nossos pais, os...