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A mostrar mensagens de julho, 2014

Apocalipse

As cores e os sons eram só meros borrões que caíam num espaço infindo. Tudo estava apagado dentro de mim, só existia o exterior. O exterior que me mostrava os olhares que dirigiam a uma rapariga bonita, de passos já trôpegos, de olhos já meio fechados e de mente perdida. O exterior mostrava-me também imagens que me desfaziam, que me massacravam. E o álcool ajudara a combater essa sensação de desatino, de absoluta perdição que me começava a queimar o peito. Era uma sensação familiar. Familiarmente dolorosa, por muito que me custasse a relembrar-me, por muito que tivesse guardado essas imagens na gaveta mais negra e longínqua do meu cérebro. Mas o meu cérebro estava agora desarrumado e essas imagens saltavam-me aos olhos sempre que podiam. Lancei-me numa fúria cega e rancorosa, uma fúria lúcida, por muito ébria que eu já estivesse. Chamo-lhe fúria lúcida porque pela primeira vez tive a reação de uma pessoa normal, a reação esperada, a reação que eu devia ter tido há bem mais de um ano...

A minha fuga

- Como queres que seja o resto da tua vida? - perguntaram-me os olhos frios dela. Subitamente o meu plano de fuga delineou-se na minha cabeça. Assustei-me com a minha própria vontade, com a rapidez com que a ideia de fugir se desenhou em mim. Não era uma ideia que eu pensaria em concretizar, claro. Por muito terrível que me sentisse nuns dias, tinha sempre presente na mente que eram meras fases. Que se dissolveriam com as horas, com os dias. Mas não queria pensar nisso. Queria pensar no meu cabelo a esvoaçar com um vento morno do Sul, enquanto eu fitava as gândolas de uma ponte de pedra. Queria pensar nos meus olhos maravilhados a fitar o impensável fogo de artifício que parecia explodir nas mãos da Estátua da Liberdade. Queria pensar nos meus pés, a subir as escadas de um antigo palácio inca, de um qualquer castelo europeu. Queria pensar nas minhas mãos a tocar em todas as texturas, em todas as temperaturas. Queria pensar no quanto quero viver, de uma forma explosiva, vibrante e im...

O Ridículo

Uma apatia sem limites atacou-me. Estou num daqueles humores corrosivos, em que tudo é de uma ironia imensa e em que a minha única vontade é atacar com sarcasmo todos os que me rodeiam. Além disso, é fácil, tendo em conta que todos os que me rodeiam são dotados de uma ignorância abundante e/ou de uma credibilidade triste. Meus caros amigos, lamento informar-vos, mas o amor não existe. Que raio, porque diabo é que existiria? As pessoas, particularmente, nós, queridos e ignorantes adolescentes, chamam amor àquela sensação de nervosismo exaustivo que se dá quando nos apaixonamos. Sim, aceito o conceito de nos apaixonarmos. Porque essa sensação é isso mesmo e nada mais: paixão. As palmas suadas, a dor de barriga, o coração a bater a mil e o pensamento de que nunca na vida pensaremos em mais nada que não a pessoa em que pensamos. Redundâncias e clichés em todo o lado. Ora, meus caros, essa sensação desaparece. Lamento. E sobram duas hipóteses: ou se acaba a relação ou não. Os que acabam ...

Blast from the past

Tudo era inebriante. A música nas alturas ribombava-lhe no peito, fazendo-a vibrar e impedindo-a de não dançar, fornecendo-lhe uma energia sobrehumana. As luzes cegavam-na. Tudo se misturava e a fazia sentir fora de si. Por mais que a sua mente estivesse lúcida e clara, sentia-se a perder o controlo do seu corpo, das suas emoções, de si mesma e de tudo à sua volta. A sua alma evaporava-se e ela era um mero objeto, um mero corpo sujeito ao frio e às circunstâncias de uma noite. Era assim que se sentia, ali, perdida em letras e sons redundantes que a descontrolavam, completamente ébria da experiência, completamente pedrada em vida. Dirigiu-se à piscina, imaginando que se perderia mais e que tudo o que alguma vez existiu na sua mente, no seu coração, fosse lavado pela água salgada e quente, pela imagem de corpos a movimentar-se depressa mas infinitamente devagar. E foi aí que o viu. Estava perdida nos seus pensamentos não existentes quando sentiu uma figura aproximar-se e tocar-lhe n...