Apocalipse
As cores e os sons eram só meros borrões que caíam num espaço infindo. Tudo estava apagado dentro de mim, só existia o exterior. O exterior que me mostrava os olhares que dirigiam a uma rapariga bonita, de passos já trôpegos, de olhos já meio fechados e de mente perdida. O exterior mostrava-me também imagens que me desfaziam, que me massacravam. E o álcool ajudara a combater essa sensação de desatino, de absoluta perdição que me começava a queimar o peito. Era uma sensação familiar. Familiarmente dolorosa, por muito que me custasse a relembrar-me, por muito que tivesse guardado essas imagens na gaveta mais negra e longínqua do meu cérebro. Mas o meu cérebro estava agora desarrumado e essas imagens saltavam-me aos olhos sempre que podiam. Lancei-me numa fúria cega e rancorosa, uma fúria lúcida, por muito ébria que eu já estivesse. Chamo-lhe fúria lúcida porque pela primeira vez tive a reação de uma pessoa normal, a reação esperada, a reação que eu devia ter tido há bem mais de um ano...