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A mostrar mensagens de janeiro, 2014

Sonho

Acordei levemente, como se continuasse num transe sonolento. Entreabri os olhos, num gesto reflexo de curiosidade. A casa estava silenciosa e mergulhada na escuridão. Supus que fossem ainda 3 da manhã, o que me levou a  suspirar e a virar-me pela milésima vez na cama.  Era uma noite fria de meias insónias, entre os acordares de meia em meia hora, os meios sonhos e os suores frios. Tentei procurar uma posição confortável e esperar que o sono me levasse, mais uma vez, pela última vez. Fechei os olhos, decidida a obrigar o meu corpo a ficar inconsciente, a abandonar-se, a dar-me 2 segundos de descanso. No meio da escuridão abafada pelas minhas pálpebras, músicas começaram a deslizar, figuras e cores a formar-se. Vi-me subitamente assombrada pelas imagens que eu mal percebera que foram o conteúdo dos meus múltiplos e fracionados sonhos. O pânico apoderou-se de mim. Abri os olhos e inspirei fundo várias vezes para acalmar o meu saltitante coração. Não me lembrava de muit...

Alma Velha

''És uma alma velha'', diz ela, com o orgulho a brilhar nos olhos, ''como se não fosses deste mundo, desta era. Pessoas como tu não existem.'' Depreendo o motivo pelo qual ela diz aquilo com tanto ênfase e com tanto entusiasmo. Sorri-lhe, os meus olhos cheios de compreensão e, provavelmente, compaixão. Assim que me vejo sozinha, defronto-me com a realidade agridoce. Eu era uma alma velha. É um pouco irónico para alguém que tem um medo petrificante de crescer, para alguém a quem o futuro e a ideia de ser adulta a aterroriza. E, no entanto, tenho uma alma velha. Sou uma alma velha. Não era nada que eu já não soubesse. Nasci crescida, nunca fiz asneiras, nunca fiz birras, compreendo o sentido do certo e do errado desde muito cedo, nunca me atrevi a nada porque sempre tive demasiada noção das consequências. Nasci com 30 anos. Entristece-me que assim seja, porque apenas significa que nunca fui criança, que nunca fui tão inocente, tão crente, tão feliz. Nas...

Textos Soltos - I

Era um dia cinzento. As nuvens negras eram uma ameaça constante e silenciosa. Apesar da multidão, havia um silêncio comum que se propagava, como se de luto ou contemplação. Daquele ponto de vista, aquela pequena terra parecia um Reino Encantado que havia ruído e que passara a ser uma prisão parada no tempo, irrefutável, amovível. Parecia que tudo era visto por um espectro velho e abandonado. O vento fez o cabelo dela dançar. A mente dela estava muito longe de toda aquela parafernália de tons mortos e de Reinos Perdidos. Estava muito longe de qualquer realidade paralela irrelevante ou de qualquer incessante fantasia. A mente dela estava muito longe dali, daquela prisão multifacetada em que ela passava os dias. O semáforo finalmente ficou verde. E a multidão começou a atravessar a passadeira mecanicamente, rotineiramente. Ela perguntou-se se aquelas pessoas que caminhavam ao lado dela não se importavam de ser comandadas por uma máquina que emitia cores, se não se importavam de dar o...

Paz

Cheguei à fase da paz. Não há nada em mim que não seja paz, resignação. A batalha infindável que durou uma quantidade de tempo ridícula e a mais terminou. A pessoa que eu fui em todo aquele tempo terminou, cessou.  Estou feliz por ter chegado a um ponto da minha vida em que já não há nada a temer, nada por fazer, nada por dizer. Não há passado, não há presente, há apenas futuro, um futuro que, para já, parece promissor. Infelizmente tudo isso seca-me a veia artística, o que me vai obrigar a escrever ficção e não seja o que for verídico nos próximos tempos. Mas creio que não faz mal, a minha liberdade, aquela porque eu tanto ansiei chegou. Estou livre. E aquele assunto fechou-se para sempre. Perguntei-me muitas vezes qual seria a sensação, esta sensação que agora nasce no meu peito, de fim, de esquecimento. Das outras vezes eu simplesmente transferira a fixação de uma pessoa para outra, mas desta vez isso não foi possível, o que me obrigou a lidar com o problema. Obrigou-me a enf...