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A mostrar mensagens de janeiro, 2015

Jackie ou Marylin?

Ele abre os olhos. A sua visão ainda está turva, ainda não vê. O teto ainda é só branco, as paredes ainda são só despidas, o mundo ainda é um rascunho. Pestaneja várias vezes. Tudo começa a parecer mais concreto, mais distinto, mais real. Já consegue ver as manchas de humidade no teto, os quadros nas paredes. E o pequeno sofá no canto do seu olho. Vira a cabeça ligeiramente para esse sofá. E eu sorrio-lhe. Assim que ele de facto consegue distinguir o meu rosto, sorri de volta. O rosto dele torna-se num derreter de carinho e afeto. Tudo dirigido a mim. Ali estava eu. Sentada naquele pequeno sofá, ao lado de uma cama de hospital, de onde ele me sorria. Ali estava eu para cumprir a minha função, ser o porto seguro, a pessoa de confiança. Levantei-me e aproximei-me da cama. As minhas mãos estavam trémulas quando lhe tocaram na pele quente. Passei a minha palma da mão pelo rosto deleitado e cansado dele. Senti a pele perfeita e a barba por fazer. Senti, com esse mero toque, toda a dor, ...

Elos

Era uma vez um fino fio dourado. Apesar de fino, o fio era duro, forte. Mantinha duas realidades opostas para sempre juntas. Estas duas realidades estiveram juntas durante algum tempo, criando este longo fio. No entanto, o tempo fez com que elas se separassem e com que alongassem o já de si longo fio. À medida que a distância entre estas realidades aumentava e à medida que a velocidade do tempo deixava tudo para trás o fio aumentava. Chegou a um comprimento maior do que o das maiores torres do mundo. Este fino fio doirado não era, porém, um fio regular. Estava cheio de cortes, rasgões, fendas e amaços. Fora cortado diversas vezes para depois ser reatado. Sempre que estava cortado tornava-se negro e era um rastilho que explodia nas realidades nas suas extremidades, alterando-as e tornando-as mais ferozes, mais distópicas, mais ridículas. Quando uma das realidades assim o decidia, esse fio era reatado com um pequeno nó, que restaurava a sua cor, que se propagava às realidades opostas,...

Papéis de teatro

Não fui feita para encaixar num determinado papel. Para sorrir e acenar e para preencher os requisitos da típica adolescente.  Não me conseguiria estupidificar nem que o quisesse. Nasci peculiar, fui educada de forma peculiar. As pessoas que me deram o sangue sentam-se à volta da mesa e discutem pacifica e culturalmente. Nunca, na minha infância, ouvi, que não fossem debates, explicações. Nunca se levantou a voz, nunca se disse um palavrão. Fui educada por pessoas ligadas em excesso à mania de serem burgueses e aristocratas, apesar de nem lá perto andarem. O que tem os seus prós e os seus contras. Aliás, o único contra que tem é que eu não consigo disfarçar o que sou perante outras pessoas da mesma faixa etária, não consigo disfarçar a cultura, a inteligência ou a curiosidade. Porque no meu mundo, manifestações de tudo isso são pão nosso de cada dia. Portanto, não pude ser a típica criança, sendo que até a brincar com Barbies os meus enredos eram baseados em Shakespeare e não em...