Indolor
E ali estava ela a defender a sua paixão como se fosse a sua vida. E eu, revirando os olhos e discutindo, exibia a minha opinião já tão óbvia e gasta sobre aquele assunto. Todas as palavras que saíam da minha boca eram cuidadas e pensadas, e a tese que elas formavam era uma tese que eu elaborara nova, e pela qual era e sempre fui apaixonada. Não tinha qualquer pena de destruir o conto de fadas que ela criara nem tinha pena de saber estar a gastar a minha voz em vão. Há que defender aquilo em que acreditamos, independentemente se vale a pena ou não. Vale sempre a pena, e terminem vocês. Tinha pena, no entanto, de já não fazer ideia do que ela estava a falar com os olhos brilhantes e lacrimejosos. Já não sabia do que ela falava há muito tempo, porque já não sentia o que ela sente há muito tempo. Nem eu sei há quanto. Nem eu me lembro, sinceramente, quando foi a última vez, porque o tempo atravessou-me e todas as memórias estão já borratadas, apagadas e já não me dizem (e finalmente ...